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04/12/24

Esterilização e Castração - Efeitos sobre o comportamento do cão e cadela

 

Aparelho reprodutor e urinário da cadela

Nos cães, a eliminação das hormonas sexuais masculinas (testosterona, principalmente) reduz ou elimina a aparição de alguns comportamentos sexualmente dimórficos (aqueles que se apresentam com diferente frequência no macho e na fêmea) como a marcação com urina, assim como os rituais próprios do comportamento sexual.

Apesar disso, com demasiada frequência, utiliza-se a castração como um tratamento inespecífico para problemas de comportamento nos machos para os quais não existe uma indicação precisa. Isto, juntando a uma cirurgia que proporciona respostas muito variáveis nos animais, desperta numerosas dúvidas no que respeita à sua efectividade tanto entre os profissionais como entre os tutores.

Ainda que grande parte  dos estudos realizados para comprovar a eficácia da castração no tratamento dos problemas de comportamento foram efectuados há algum tempo e, provavelmente necessitem de ser revistos, em linhas gerais as indicações para a castração são as seguintes:

·      Problemas relacionados com a conduta sexual: os comportamentos de monta inapropriada ou o vagabundeio (afastamento para procura de fêmea em cio);

·      Problemas de marcação com urina: a redução ou eliminação deste comportamento observa-se principalmente na residência. Durante o passeio, muitos destes animais continuam a fazê-lo normalmente. Isto parece estar relacionado com a diferente intensidade dos estímulos olfactivos presentes em ambos os locais;

·      Problemas de agressividade: a  principal indicação neste tipo de problemas é a agressividade intra-sexual. Apesar disso, e ainda que os resultados são muito variáveis, em geral recomenda-se a castração nos casos de agressividade dirigida para com os membros da família. Raramente a castração, por si só, corrigirá o problema, mas pode ser uma ajuda no tratamento da modificação comportamental.

Para outros problemas de comportamento, como outros tipos de agressividade, casos de hiperactividade, medos ou fobias, etc., não está indicada a castração. 

No quadro seguinte apresentam-se as percentagens de melhoria ou eliminação das condutas problemáticas atrás mencionadas.

 

Comportamento

Percentagem

Vagabundeio

90

Monta

65

Agressividade intra-sexual

60

Marcação com urina

50

Agressividade para com a família

30

Agressividade territorial

0

Agressividade por medo

0

Fonte: Hart et al., 1997

Em qualquer caso, os efeitos da castração parecem ser independentes da idade e se já houve comportamentos agressivos enraizados anteriormente à data em que se realiza a castração e os seus efeitos podem ser imediatos. Nalguns casos observa-se uma fase inicial de melhoria rápida, e noutros mais lenta e progressiva que se dilata até, em muitos casos, aos seis meses.

Efeitos sobre o comportamento da cadela

Os efeitos das hormonas sexuais femininas (estrogénios) sobre os problemas de comportamento nas cadelas estão muito menos estudados que nos cães. 

É interessante, principalmente o efeito que tem sobre dois problemas de agressividade específicos: a agressividade para com os membros da família e a agressividade intra-sexual.

Na agressividade por conflito social (complexo de controlo) para com os elementos da família, observou-se que as fêmeas que apresentam sinais prematuros (antes da puberdade) de agressividade, a esterilização pode agravar o problema se a intervenção cirúrgica se realiza antes dos 12 meses de idade. Portanto, nestes casos e por estes motivos, a esterilização deve ser evitada.

No que respeita à agressividade intra-sexual, se normalmente o problema se agrava significativamente quando a fêmea está em cio ou com gravidez psicológica e melhora durante o resto do ciclo sexual, pode recomendar-se a esterilização como ajuda ao tratamento.

Castração química

Muitos tutores de cães machos problemáticos não estão muito receptivos à castração do animal, sejam pelos resultados incertos que proporcionam a cirurgia, sejam pela ideia que têm que a castração afecta consideravelmente a “integridade” do cão. 

Para estes casos, à falta de estudos mais conclusivos, existe actualmente uma opção que permite prever com exactidão a eficácia da castração sobre alguns problemas de comportamento característicos dos machos.

Esta opção consiste numa “castração química” que se apresenta sob a forma de um implante subcutâneo de uma substância análoga  da hormona libertadora de gonadotropina (GnRH), de libertação controlada, que bloqueia a libertação de testosterona durante um período de cerca de seis meses. Este fármaco, chamado deslorelina, apresenta, segundo os estudos farmacológicos preliminares realizados, uma eficácia muito similar à castração cirúrgica para controlar os comportamentos sexualmente dimórficos nos cães, como são os casos da monta, marcação com urina, vagabundeio, e agressividade intrasexual.

 

Sílvio Pereira


02/12/24

Proteína animal vs proteína vegetal na alimentação canina

 


Com este artigo pretendemos aprofundar as diferenças, benefícios e limitações das proteínas animal e vegetal na alimentação canina, além de discutir a viabilidade e o impacto de dietas alternativas, como as vegetarianas ou vegans, para cães.

1. Composição e Qualidade das Proteínas

A proteína é essencial para todo o organismo do cão, pois fornece aminoácidos, que são vitais para funções como: 

  • Construção e reparação de tecidos musculares e orgânicos;
  • Suporte ao sistema imunológico;
  • Produção de hormonas e enzimas;
  • Saúde da pele e do pelo. 

Estas funções exigem que os cães consumam uma quantidade e qualidade adequadas de proteínas. Vamos ver como as proteínas animal e vegetal diferem nesse sentido.

Proteína Animal: Composição e Vantagens

  • Perfil Completo de Aminoácidos Essenciais: Proteínas de fontes animais como carne de vaca, frango, peixe, ovos e fígado oferecem um perfil completo de aminoácidos essenciais. Os cães precisam de 10 aminoácidos essenciais que eles não conseguem sintetizar sozinhos (como lisina, metionina, taurina, entre outros) e que, em geral, são encontrados em boas quantidades nas proteínas animais;
  • Alta Digestibilidade e Absorção: A proteína animal é altamente bio-disponível, o que significa que o corpo do cão consegue digeri-la e absorvê-la com mais eficiência. Isso facilita a utilização dos nutrientes pelo organismo do cão, especialmente para cães com maior necessidade proteica, como cachorros em crescimento, cadelas em gestação e lactação, cães de trabalho e desporto e cães de raças grandes;
  • Fonte Natural de Nutrientes Específicos: Além da proteína, as fontes animais fornecem nutrientes importantes, como ácidos gordos omega-3 e omega-6 (importantes para a saúde da pele e do sistema cardiovascular), vitamina B12 (fundamental para o sistema nervoso) e minerais como zinco e ferro. 

Essas características tornam as proteínas animais uma excelente base para a dieta de um cão, já que aportam a requisitos nutricionais de forma completa.

Proteína Vegetal: Benefícios e Limitações

Embora as proteínas vegetais como soja, lentilhas, ervilhas e grão-de-bico possam complementar a dieta canina, elas apresentam desafios:

  • Aminoácidos Incompletos: As proteínas vegetais têm perfis de aminoácidos incompletos, o que significa que uma única fonte vegetal não é capaz de fornecer todos os aminoácidos essenciais que o cão necessita. Para construir uma dieta completa, seria necessário combinar diferentes fontes vegetais para obter todos os aminoácidos, o que pode complicar o equilíbrio alimentar; 
  • Menor Digestibilidade e Absorção: O sistema digestivo dos cães tem mais dificuldade em processar proteínas vegetais, resultando numa menor bio-disponibilidade. Isso significa que, para fornecer o mesmo valor proteico, pode ser necessário aumentar a quantidade de proteína vegetal em comparação com a proteína animal, o que pode afetar o balanço calórico e a quantidade de fibras ingeridas;
  • Benefícios e Compostos Adicionais: Em contrapartida, alimentos vegetais oferecem fibras e antioxidantes que beneficiam a saúde intestinal e o sistema imunológico. No entanto, algumas plantas contêm compostos anti-nutricionais, como fitatos e oxalatos, que podem interferir na absorção de minerais como ferro e cálcio. 

2. O Papel das Proteínas na Saúde Canina

A saúde dos cães depende muito da qualidade da proteína que eles consomem. O tipo de proteína e sua digestibilidade influenciam diretamente a energia, a manutenção muscular, a função imunológica e a saúde geral do cão. Um desequilíbrio ou deficiência de aminoácidos pode causar problemas, como fraqueza muscular, perda de peso, problemas de pele e uma resposta imunológica reduzida.

Vantagens das Dietas que Combinam Fontes Proteicas

Uma abordagem equilibrada que utiliza tanto proteínas animais como vegetais pode ser vantajosa em várias situações, como:

  • Diminuição de Custos e Sustentabilidade: As proteínas vegetais são uma alternativa mais económica e sustentável que pode ajudar a reduzir custos de produção de alimentos e o impacto ambiental; 
  • Melhor Controle de Alergias Alimentares: Alguns cães são alérgicos a certas proteínas animais, como carne bovina ou frango. Nessas situações, fontes vegetais ou proteínas animais alternativas, como peixe, podem ser úteis;
  • Apoio à Saúde Digestiva: As fibras das fontes vegetais ajudam na digestão e favorecem o crescimento de bactérias benéficas no intestino, promovendo uma flora intestinal saudável e prevenindo a obstipação. 

3. Dietas Vegetarianas ou Veganas para Cães: É Possível?

Com o aumento de opções vegans e vegetarianas para cães no mercado, muitos tutores questionam-se sobre a viabilidade de uma dieta exclusivamente à base de plantas. Embora alguns cães possam viver bem com dietas vegans ou vegetarianas bem formuladas, é fundamental lembrar que esses planos alimentares exigem suplementação rigorosa e orientação profissional para evitar deficiências.

Suplementação Essencial em Dietas Vegetais

Para tornar uma dieta vegan ou vegetariana adequada para cães, é preciso incluir:

  • Taurina e Carnitina: Aminoácidos críticos para a saúde cardíaca e muscular. Taurina, em especial, é essencial para o coração e não é facilmente encontrada em plantas; 
  • Vitamina B12: Fundamental para o sistema nervoso e não presente em fontes vegetais. Deve ser suplementada para evitar deficiências graves;
  • Zinco e Ferro: Minerais encontrados em abundância nas fontes animais, mas menos bio-disponíveis nas plantas. Suplementos podem ser necessários para manter os níveis adequados.

Apesar de ser possível, uma dieta vegetariana ou vegan exige monitoração constante e ajuste profissional para garantir que o cão recebe todos os nutrientes. A alimentação baseada em proteínas animais continua a ser mais natural e completa para a saúde dos cães, considerando o seu sistema digestivo adaptado para processar a carne.

4. Conclusão e Recomendações Práticas

Para a maioria dos cães, uma dieta baseada principalmente em proteínas animais é a melhor opção para suprir todas as necessidades nutricionais, garantindo alta digestibilidade e um perfil completo de aminoácidos. Contudo, proteínas vegetais podem ser um bom complemento em dietas mistas, ajudando a equilibrar o custo, a acessibilidade e a digestão.

Caso o tutor considere uma dieta exclusivamente à base de plantas, é imprescindível:

  • Procurar Orientação Veterinária: Um veterinário ou nutricionista animal pode recomendar a suplementação necessária e realizar exames periódicos para monitorizar a saúde do cão; 
  • Investir em Alimentos Comerciais de Qualidade: Muitos alimentos comerciais vegans para cães são formulados especificamente para atender às necessidades nutricionais, com suplementação de aminoácidos e vitaminas essenciais;
  • Monitorizar a Saúde do Cão: Qualquer mudança de dieta deve ser acompanhada de observação atenta ao comportamento, ao peso, à saúde da pele e do pelo, e à energia do cão, além de exames regulares. 

Conclusão Final

A proteína animal ainda é a mais recomendada para a dieta dos cães pela sua alta qualidade e compatibilidade biológica. As proteínas vegetais podem fazer parte da alimentação, mas devem ser usadas como complemento e com cuidado em dietas exclusivamente vegetais.

 

Sílvio Pereira

28/11/24

Porque é que os Cães colocam a cauda entre as patas

 




A linguagem corporal é uma das formas mais eficazes que os cães utilizam para expressar as suas emoções e intenções. Entre os muitos sinais que os cães exibem, um dos mais conhecidos é o acto de colocar a cauda entre as patas traseiras, especialmente em situações de medo ou desconforto. Este comportamento não é apenas uma reação instintiva; ele carrega igualmente significados profundos relacionados à biologia, à psicologia e à evolução da espécie. Neste artigo, exploraremos as várias razões que explicam esse gesto, o seu contexto histórico e como podemos interpretar e responder-lhe adequadamente.

1.    A Origem Instintiva: Proteção Física

Um dos motivos primários para que os cães coloquem a cauda entre as patas é a proteção física das áreas vulneráveis do seu corpo. A cauda, quando está baixa, serve como um escudo para as partes sensíveis, como os órgãos genitais e o abdómen, áreas críticas que, se feridas, poderiam comprometer a sobrevivência do animal. Este comportamento defensivo remonta aos ancestrais selvagens dos cães, os lobos, que em situações de desconfronto ou submissão instintivamente protegiam as partes mais suscetíveis dos seus corpos.

Em ambientes naturais, expor áreas vulneráveis poderia atrair ataques de predadores ou adversários. Portanto, ao adotar essa postura, o cão reduz os riscos de ferimentos fatais. Esse instinto persiste até hoje nos cães domésticos, mesmo que não enfrentem as mesmas ameaças dos seus ancestrais.

2.    Comunicação Olfativa: Um Gesto de Ocultação

Os cães têm glândulas anais localizadas na base da cauda que liberam feromonas, sinais químicos únicos que carregam informações sobre identidade, estado emocional e status social. Quando um cão coloca a cauda entre as patas, restringe a libertação desses odores. Isso é especialmente relevante em situações de medo ou submissão, pois o cão está, simbolicamente, "a esconder a sua identidade".

Este comportamento também pode ser interpretado como uma tentativa de evitar conflitos. Em situações de tensão social, como interações com cães dominantes ou desconhecidos, ocultar os sinais olfativos pode ser uma estratégia para evitar atrair atenção indesejada ou demonstrar apaziguamento.

3.    A Cauda Como Indicador de Emoções

A posição e o movimento da cauda de um cão são reflexos claros das suas emoções. Uma cauda erguida geralmente indica confiança, entusiasmo ou até mesmo dominância. Por outro lado, uma cauda baixa ou entre as patas é um sinal inequívoco de medo, submissão ou desconforto. Esse gesto frequentemente é acompanhado por outros sinais corporais, como orelhas baixas e coladas ao crâneo, postura encolhida, tremores ou desvio do olhar.

Esse comportamento é uma parte fundamental da linguagem canina, permitindo que os cães comuniquem as suas intenções para outros cães, animais ou humanos. Em contextos sociais, colocar a cauda entre as patas é uma forma de dizer: "Não sou uma ameaça, quero evitar conflitos."

4.    Herança Evolutiva: A Postura Submissa

A origem deste gesto está profundamente enraizada na história evolutiva dos cães. Nos grupos sociais dos lobos, posturas submissas eram cruciais para a harmonia do grupo. Lobos subordinados utilizavam gestos, como baixar a cauda, para reconhecer a autoridade de indivíduos dominantes e evitar confrontos. Este comportamento foi herdado pelos cães domésticos, que mantiveram muitas dessas estratégias de comunicação social para interagir tanto com outros cães como com humanos.

No mundo moderno, os cães utilizam essa mesma postura numa variedade de situações, desde encontros com outros cães mais dominantes até interações com estranhos ou ambientes desconhecidos que provocam ansiedade.

5.    Impacto Psicológico: O Medo e o Stresse

Colocar a cauda entre as patas é também uma resposta emocional. Situações stressantes, como trovões, fogos de artifício, ambientes desconhecidos ou mesmo uma repreensão, podem desencadear essa reacção. O comportamento reflete o estado emocional do cão, indicando que ele se sente inseguro ou sobrecarregado.

Em contextos extremos, como abuso ou trauma, os cães podem adotar esta postura de forma crónica, demonstrando um estado constante de medo ou submissão. Isso ressalta a importância de entender e abordar as causas do stresse de forma empática e proativa.

6.    Como Interpretar e Responder a Este Comportamento?

Quando um cão coloca a cauda entre as patas, está a tentar comunicar algo importante. Ignorar ou forçar o animal a permanecer numa situação que o assusta pode agravar o problema. Aqui estão algumas maneiras de responder a esse comportamento:

a)    Identifique a Fonte do Medo

Observar o ambiente e identificar o que está no momento a causar desconforto é o primeiro passo. Pode ser algo óbvio, como um barulho alto, ou algo menos evidente, como um cheiro estranho ou a presença de outro animal.

b)   Ofereça Segurança

Use uma voz tranquila e um tom reconfortante para transmitir calma. Criar um espaço seguro, como uma área reservada na casa, pode ajudar o cão a relaxar.

c)    Evite Forçar o Enfrentamento

Não obrigue o cão a enfrentar a situação que o está a assustar. Isso pode reforçar associações negativas e aumentar o medo.

d)   Reforce o Comportamento Correcto

Quando o cão começar a sentir-se mais confortável, recompense-o com biscoitos, carinhos ou palavras de encorajamento. Isso ajuda a criar associações positivas e a construir confiança.

e)    Procure Ajuda Profissional

Se o comportamento for recorrente ou severo, consultar um comportamentalista é essencial. Ansiedade crónica pode exigir intervenções mais específicas.

7.    Conclusão

O ato de colocar a cauda entre as patas é uma resposta instintiva, emocional e social profundamente enraizada nos cães. Este comportamento combina proteção física, comunicação olfativa e expressão emocional, que reflecte a complexidade das interações caninas. Para os tutores, entender e respeitar essa linguagem é essencial para criar um ambiente de confiança e segurança para o animal.

A linguagem corporal dos cães é uma janela para as suas emoções e necessidades. Aprender a interpretar esses sinais não apenas fortalece a ligação entre humanos e cães, mas também garante o bem-estar físico e psíquico dos nossos companheiros de quatro patas.

 

Sílvio Pereira