Translate

27/11/13

A importância da caixa na educação e adestramento canino

A introdução da caixa, mais conhecida por caixa transportadora, no dia-a-dia dos nossos cães é relativamente recente. O próprio nome é indicativo da utilidade que lhe era, e é dada – servia e serve para transportar os animais, principalmente nas viagens de avião e, posteriormente, devido ao seu fácil manuseamento e à sua portabilidade uma vez que é construída num material leve, o pvc, foi também adaptada para o transporte nos veículos automóveis.
Recentemente começaram a ser descobertas as enormes vantagens que este acessório também tem ao nível do adestramento, da educação e principalmente do bem-estar dos cães e, como consequência, dos próprios donos.


A desmistificação do conceito “confinamento”.


O grande óbice que é colocado a uma utilização mais frequente da caixa transportadora na educação canina é a ideia enraizada, que a grande maioria das pessoas têm, de que este é um instrumento de tortura e clausura, uma vez que os animais ficam confinados a um pequeno espaço do qual nem se mexer podem e, isso sim, é muitas vezes erradamente utilizada como castigo por um qualquer acto reprovável que o animal tenha cometido. Quem nunca ouviu o termo: “portaste-te mal, vais para a caixa!”?

Nada mais errado.

O princípio que está subjacente à utilização deste importante acessório na educação dos nossos cães está alicerçado na maneira como os seus ancestrais, os lobos, utilizam um equipamento semelhante, mas mais rudimentar, que é a sua toca. Este pequeno buraco feito na terra ou entre pedras é tão importante para eles que o defendem com a própria vida, se for necessário. E porquê? Porque é o seu espaço, é aí que descansam, que dormem, que se abrigam, onde se protegem, onde têm e criam os seus filhos, enfim, é o seu pequeno mundo e por isso é um recurso tão importante e ao qual eles dão tanto valor e que o protegem tão afincadamente.

Como sabemos, os lobos deambulam e caçam principalmente ao nascer e ao final do dia, todo o resto do tempo passam-no nas suas tocas a descansarem e protegerem-se do calor, e de noite para dormirem, portanto, passam pelo menos 20 horas do seu dia refugiados no seu bem tão precioso que é a toca, e não julguemos que esse espaço é tão amplo como uma caixa transportadora, por exemplo, não, é uma pequena galeria onde não conseguem andar senão rastejando, mas é deles e é ali que se sentem bem e seguros, podendo assim descansarem com absoluta segurança.

Para os nossos cães a caixa tem o mesmo valor que a toca tem para os lobos. Se a habituação for a correcta, os cães encaram a caixa como sendo o seu pequeno mundo onde podem descansar, onde dormem mais confiantes sem a possibilidade de serem constantemente incomodados com os movimentos normais dos donos nas suas lides diárias e, inclusivamente, onde podem até brincar com os seus brinquedos favoritos sem terem que os partilhar.

Não. O estar na caixa não é considerada uma clausura para os cães, mas sim a possibilidade que eles têm de, como os seus ancestrais, se poderem recolher e descansar quando disso necessitem sem serem incomodados, exactamente como nós quando nos recolhemos aos nossos quartos.


Os enormes benefícios da utilização da caixa

  • §  Como já dissemos anteriormente, a primeira e mais importante mais- valia da utilização da caixa é a possibilidade que os cães têm de disfrutar da sua privacidade e poderem descansar e dormir mais comodamente sem serem importunados. Como consequência disso, quando acordam ficam mais activos, mais bem dispostos e prontos para a interacção com os seus donos;


  • §  Permite aos donos uma maior liberdade nos seus afazeres diários sem ter sempre o cão como sua “sombra”, permitindo também uma diminuição do hiperapego, se ele já existir, tão prejudicial para o correcto e saudável relacionamento entre o dono e o seu cão;


  • §  Muito maior facilidade no treino dos comportamentos de eliminação inadequada em cachorros e cães adultos. Os cães não eliminam onde dormem ou descansam e, como sabemos, normalmente fazem as suas necessidades depois de dormirem ou descansarem, sendo assim, a utilização da caixa permite-nos, logo que começam a ficar activos dentro da caixa, levá-los rapidamente para o local definido para a eliminação sem terem possibilidades de o fazer em local que não seja o adequado;


  • §  A utilização da caixa é uma ferramenta de inestimável importância no tratamento de uma patologia tão comum nos cães que vivem em apartamentos: a ansiedade por separação. Através dela e associada a um parque de maiores ou menores dimensões, em função do tamanho do animal, podemos delimitar o espaço que tem disponível para utilizar durante o período em que se encontram sozinhos em casa e, se além disso, dispuserem de brinquedos inetractivos com que se entretenham e rádio ou televisão ligados, permite prevenir os comportamentos destrutivos, a automutilação, e as vocalizações exageradas tão comuns nesta patologia;


  • §  É uma ferramenta de fundamental importância no ensino das regras e rotinas aos cachorros quando estes chegam à sua nova casa e são inseridos numa nova estrutura familiar. Com ela, além de os podermos ensinar a eliminarem num local adequado, indicamos-lhe logo de início onde dormir e descansar, quando o deve fazer, quando pode passear, quando e onde pode comer uma vez que passará a fazê-lo dentro da própria caixa, porque todas estas actividades irão estar ligadas ao se manterem ou não na caixa;


  • §  E por fim, fazendo jus ao nome, é um objecto fundamental para o transporte do cão não só de avião como de automóvel. Neste último caso, o facto de o animal ser transportado dentro de uma caixa e não nos bancos dianteiros ou traseiros, pode fazer a grande diferença de um acidente ter mais ou menos consequências em função da sua gravidade, tanto para o cão, como para o condutor e acompanhantes, como ainda para estranhos envolvidos no acidente.



A habituação do cão à caixa

Ao contrário do que possa parecer, a habituação do cão à sua caixa é um processo fácil e rápido, principalmente se o mesmo for feito ainda em cachorro e de uma forma correcta e assertiva, o que não quer dizer que o mesmo não se possa fazer com um cão adulto.

Regra básica nº 1: associar sempre a caixa a algo agradável e nunca a um castigo recorrente de algo que o animal tenha feito de errado.

Para que o cão vá por vontade própria para a caixa, tem que haver aqui sempre algo de muito agradável para ele: biscoitos, guloseimas, uns pedaços de queijo, de salsicha, um brinquedo que ele adore, etc., qualquer coisa muito interessante para ele e que o motive a entrar na caixa de livre vontade. O dono também pode ajudar a motivar o cão com muitas festas e palavras de incentivo.

No início, a porta da caixa mantém-se aberta enquanto ele disfruta das coisas agradáveis que lá estão, a pouco e pouco vamos começando a fechar a porta por pequenos períodos, de início só o tempo que ele demora a comer as guloseimas. Depois, a porta irá manter-se fechada por períodos cada vez maiores: 2 minutos, 5 minutos, 10 minutos, etc. Devemos aproveitar as alturas em que sabemos que ele vai descansar para o incentivarmos a fazê-lo dentro da caixa. O que é importante neste processo é que ele saiba que não vai ficar fechado eternamente mas sim o período necessário para o seu descanso.


O que não se deve fazer

  • §  Como já dissemos anteriormente, nunca devemos associar a caixa a qualquer espécie de castigo. A caixa, na cabeça do cão, tem que estar sempre ligada a coisas muito positivas e agradáveis;


  • §  Por razões óbvias, o animal nunca deve estar fechado na caixa por mais de 4 horas de forma contínua, excepto durante a noite enquanto dorme;


  • §  A caixa nunca deve ser aberta enquanto o animal estiver a bater na porta ou a ladrar, se isso for feito ele associa o seu acto à abertura da porta, consequentemente sabe que sairá sempre que quiser;


  • §  Somos nós que decidimos quando devemos abrir a porta da caixa e deixar sair o cão e não ele que pelas suas atitudes impõe que esta lhe seja aberta.



Resumo


Ao contrário do que se possa pensar e pela experiência que tenho com os meus cães, eles adoram a sua caixa (toca). Se o processo de habituação e cumprimento das regras for bem executado, o nosso cão ir-se-á deslocar para o seu abrigo sempre que sinta necessidade de dormir ou descansar, com as consequências altamente positivas que esse facto tem no bem-estar dele e nosso, promovendo assim uma sã convivência entre nós e o nosso amigo de quatro patas. 

24/09/13

Será que os cães consideram as crianças como pequenos seres humanos?

A visita que dois dos cães do Centro Canino de Vale de Lobos fizeram a um jardim de infância com o objectivo de demonstrarem a cerca de 100 crianças, com faixas etárias dos 3 aos 5 anos, que um cão pode efectivamente ser um grande amigo e, principalmente a forma como eles interagiram com as crianças proporcionando a estas momentos de puro deleite, levou-me a reflectir sobre a convivência entre cães e crianças e a questionar-me se de facto eles as vêm como seres humanos numa escala mais reduzida.

Actualmente, há investigadores empenhados em estudar esta área tão complexa e que têm chegado a conclusões no mínimo inesperadas. Nesse sentido, gostava de partilhar algumas das palavras do investigador Inglês John Bradshaw e que vamos citar do seu último livro “Dog Sense” (2011)

“Mesmo que os cães possam ter várias categorias «amigáveis» de forma simultânea (capacidade que é incomum entre os mamíferos), todo o indivíduo tem os seus limites. Isso está bem exemplificado pela desconfiança que alguns cães nutrem em relação a crianças. Como sabem os cães que as crianças são seres humanos pequenos e não uma espécie inteiramente diferente? A resposta, ao que tudo indica, é que eles não sabem. As crianças são marcadamente diferentes dos humanos adultos em muitas coisas – a forma como se movem, os sons que produzem, e provavelmente, o que é de significação específica para os cães, o cheiro que emitem. Cães que nunca estiveram expostos a crianças quando cachorros podem ficar muito desconfiados delas quando se encontram pela primeira vez já adultos, embora, sendo cães, possam vir a ser treinados para vencer essa relutância inicial. Por outro lado, se no seu primeiro encontro com uma criança tiverem as suas caudas e as suas orelhas em posição de alerta, tais cães se tornarão irritáveis e mal-humorados com outras crianças. O cão generaliza as crianças, tratando-as como uma categoria e não como indivíduos. Do mesmo modo, durante a socialização, os cachorros precisam generalizar entre um adulto e outro. Embora os cachorros decerto cheguem a reconhecer algumas pessoas como indivíduos, gente estranha será presumivelmente categorizada como «amigável» com base na sua similaridade com as primeiras poucas pessoas que o cachorro conheceu.

Por isso é tão importante (de forma calma e simpática) apresentar os cachorros a um espectro tão amplo de gente quanto for possível: tanto homens como mulheres (pessoas que vistam diferentes tipos de roupa), homens com barba, assim como homens bem barbeados, e assim por diante. Esse procedimento ajuda a expandir os limites do que o cão categoriza como «ser humano adulto». Se o gabarito for muito estreito, talvez porque o cachorro conheça apenas uma ou duas funcionárias do canil durante todo o seu período sensitivo, ele pode reagir à aparição de homens com medo e ansiedade. Essa é uma das (muitas) razões porque os donos têm dificuldades com cães provenientes de «produtores industriais de cães» ou de pet shops: o conceito que fazem os cachorros sobre a aparência da raça humana é, com frequência, muito restrito, e eles reagem de forma padronizada ao evitar, com temor, qualquer outro animal de duas patas com que se defrontem”

Na sequência do que John Bradshaw argumentou, atrevia-me a perguntar: será que os cães vêm os homens e as melhores como pertencendo à mesma espécie?

Porque este é um conceito totalmente inovador, carece de mais investigação, mas pelos sólidos argumentos apresentados pelos investigadores, penso que merecem da nossa parte um voto de confiança na continuação das investigações.


Apesar disso, não deixa de ser um tema que merece, pelo menos, um acto de reflexão da nossa parte e pensemos assim: será que não faz algum sentido as conclusões que chegaram até agora os investigadores?     

Sílvio Pereira

16/08/13

Recompensa e Castigo

Numa altura em que se disseminam comercialmente os dispositivos para correção de problemas comportamentais com estímulos altamente aversivos, estando ao alcance de todos o sua aquisição, e cada vez estão a ser utilizados com maior frequência pelos próprios donos, sem terem o mínimo conhecimento técnico para o fazer, decidimos escrever este artigo para alertar que esse equipamento, para ter alguma utilidade, tem que ser manejado por quem sabe para que possa produzir o efeito desejado. Aproveitámos também para realçar que a grande maioria dos problemas comportamentais dos cães podem ser resolvidos por uma simples mudança de atitude dos donos e que outros podem ser perfeitamente solucionados através de contracondicionamento e dessensibilização utilizando as recompensas em vez dos castigos.

 A quantidade e o tipo de motivação exigidos para que um cão desempenhe um comportamento variam consideravelmente de acordo com o indivíduo, meio ambiente e satisfação relativa obtida a partir desse comportamento. Nalguns casos, a recompensa de um comportamento particular pode ser controlada pelo dono. Uma recompensa alimentar especial para sentar após o comando e uma festa na cabeça por vir quando é chamado, são disso exemplos. No entanto, muitas vezes, é a situação que é recompensadora de forma que os tipos de recompensas são bastante variáveis. A perseguição de um corredor ou de um carro é recompensada pela “obtenção” da fuga do objecto. O latido resulta em atenção ou permissão para entrar em casa. A escavação confere ao cão um buraco para se resfriar ou um meio de fuga. Independentemente de qual seja o problema comportamental específico é importante avaliar a situação para determinar se está envolvida alguma recompensa situacional.

 Se a recompensa exercer um papel num comportamento indesejável, um desvio desse comportamento também pode ser recompensado. Pode-se fazer com que o cão que salta para conseguir atenção se sente para atingir o mesmo objectivo. O cão que protege o seu comedor do dono pode aprender que a abordagem do proprietário significa que ele ganhará recompensas alimentares pequenas por bom comportamento. O desvio da atenção do cão que ladra constantemente proporciona um breve período de silêncio que pode ser recompensado.

 Os castigos também podem ser aplicados de várias maneiras e os cães individualmente variam quanto ao que consideram como castigo. Se o resultado final de uma punição não for uma diminuição na incidência do comportamento, então a técnica não será verdadeiramente um castigo para esse cão. Para que uma punição seja efectiva, deve ser imediata, ocorrer em todos os momentos que o comportamento acontecer, ter uma intensidade e uma duração apropriadas, ser aplicada de acordo com o contexto e permitir uma resposta alternativa do animal.

 Alguns cães reagirão a uma voz elevada com um comportamento de submissão total. A dor proveniente de uma palmada, pode não afetar um Rottweiler, mas pode ser demasiado severa para um Poodle, e seria uma agressão para um Boston Terrier. A intensidade da punição em relação ao indivíduo é tão importante quanto a oportunidade da sua aplicação. Deve ser suficientemente forte para ser considerado como um castigo por parte do cão, mas não deve ser tão forte que possa tornar-se excessiva ou perigosa. Um estímulo aversivo pode desencadear uma resposta de fuga ou uma manifestação agressiva por medo e pode interferir na lição pretendida ou na relação dono-cão. Por outro lado, se a punição for muito leve no início e for aumentada gradualmente, o nível efectivo terá de ser muito mais alto do que aquele que se necessitaria inicialmente.

 O castigo é mais efectivo se o cão o experimentar imediatamente no contexto do evento em vez de ser aplicado quando o dono se apercebe do facto merecedor da punição. Uma punição remota iguala o desempenho de um comportamento particular com um resultado negativo. Se empurrar uma porta aberta para entrar num local proibido resultar numa série de latas caindo ruidosamente próximo do cão, o comportamento inaceitável de abrir a porta será punido imediatamente. Outras formas de punição remota incluem ratoeiras ou dispositivos de choques activados quando um cão salta sobre um sofá, um balão preparado para se mover em direcção a um prego sobre a cabeça de um cão ladridor, um interruptor activado por movimentos que fará com que um secador de cabelo sopre ar sobre um cão se ele tentar entrar num compartimento que lhe está vedado e, em casos extremos, as coleiras de choques eléctricos. A variedade de dispositivos de punição remota é limitada somente pela imaginação. Apesar de se encontrar actualmente no comércio uma grande gama deste tipo de equipamentos o seu uso deve ser orientado pelos mesmos objectivos que qualquer outro castigo, ou seja, a sua aplicação deve ser seguida imediatamente ao acto e deve estar diretamente relacionada com o estímulo que a desencadeia e deve ocorrer em todos os momentos em que o animal apresente o comportamento a corrigir. E, atenção, pode ocorrer um sistema de habituação caso se utilize muito frequentemente uma punição num nível baixo.

 Uma palavra sobre o uso de coleiras de choques eléctricos uma vez que são equipamentos sobre os quais donos frustrados normalmente questionam. A coleira de choques com controlo remoto como auxílio à resolução de problemas comportamentais graves, como o caso da agressividade inapropriada, deve ser sempre utilizada por um profissional com conhecimentos de comportamento canino. Um segundo tipo de coleira de choques é activada pelo ladrido. Embora a utilização deste dispositivo seja útil nalguns latidores problemáticos, outros são tão sensíveis que esse castigo torna-se totalmente inapropriado. O outro uso deste tipo de equipamento é em associação com uma cerca invisível. Como foi dito anteriormente, para poder utilizar estes tipos de dispositivos de correção é necessário que o utilizador tenha formação para o efeito, pois a quantidade de punição é frequentemente muito severa ou incompatível, dependendo da força da bateria, calibração da intensidade do choque, raça do cão, quantidade de pelos do cão, grau de contacto cutâneo direto e presença de pelos húmidos. Mais importante, a pessoa que controla o comando pode não conhecer os princípios comportamentais da aprendizagem, incluindo a oportunidade a aplicação do castigo apropriado.

  Sílvio Pereira