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19/12/11

COMPORTAMENTOS APRESENTADOS PELOS CÃES NO SEU RELACIONAMENTO COM OS HUMANOS

Poderíamos considerar que, para um cão, um figurante de treino pertence sempre a uma espécie que vai “lutar” com outra. Devido a essa situação, o figurante deve ser sempre uma pessoa desconhecida tanto do cão, como do adestrador como do dono. Quando estimulados os seus instintos, o figurante trata de o “obrigar a sobreviver”, toda a sua filogenia (o que está gravado nos genes) está presente no acto de defesa, morderá ou será obrigado a retirar-se do território do humano. Este comportamento é equiparado ao do cachorro que procura a protecção entre as pernas do seu dono. Para trás ficaram as sessões de brincadeira com a manga e a diversão da caça, agora há que enfrentar ou retirar-se.

Analisando esta questão sob o ponto de vista etológico e abandonando as nossas considerações antropomórficas sobre o cão, vejamos como actuariam em liberdade e assim compreenderemos muitas das condutas desconcertantes desta grande espécie.

A luta directa é frequente na natureza mas, é ainda mais frequente não chegarem a ela. O mais normal é a mescla de luta + exibição.

Porque se exibe o cão perante o figurante? Efectivamente só actua como faria com outro membro da sua espécie com quem está a disputar um recurso, fêmea, território ou para evitar a depredação. Até há bem pouco tempo considerava-se que este comportamento era motivado pelo bem da espécie. Hoje já ninguém duvida que os animais saiem beneficiados na evitação da luta, sempre e quando se saiba a priori qual irá ser o resultado. Se vale a pena, arrisca-se, se os benefícios são poucos, retira-se.

Estratégias “gavião, pomba e burguês”

A estratégia “gavião” consiste em lutar sempre. A “pomba” em exibir-se a ver se dá resultado e se não, retirar-se.

Maynards Smith em 1978 publicou um estudo muito completo sobre este modelo de comportamento. Nele associava a uma luta, um custo, a uma ferida, outro, e a um display (conjunto de sinais que predizem um comportamento complexo) um custo muito inferior. Aplicou uma matriz aos custos dos distintos enfrentamentos e, dos seus resultados, chegou à conclusão de que: ou numa população há indivíduos que actuam sempre como “gavião” ou como “pomba”, ou o mesmo individuo comporta-se sete vezes como “gavião” e cinco como “pomba”.

Este tipo de comportamento é realmente muito difícil de encontrar na natureza pelo que chegou-se à conclusão que existe uma outra classe de estratégia, a do “burguês”. Consiste em que: um animal porta-se como “gavião” quando é o dono do recurso e como “pomba” quando é o intruso.

Devido a isto, e aplicada a matriz correspondente ao estudo experimental, podemos afirmar que: numa população onde existam as três estratégias, vencerá sempre a do “burguês”.

O cão será sempre mais forte no seu território, ao lado do seu amo, na defesa da sua prole ou defendendo o recurso. Extrapolando a estratégia do “burguês” para a espécie humana vemos que um homem, por débil que possa aparentar defenderá com arrojo a sua casa e a sua família. Esse mesmo homem demonstrará debilidade se vir a casa do seu vizinho ser assaltada e à primeira dificuldade fugirá aceitando a derrota. Realmente, o que está em disputa neste último caso é algo que nunca teve, enquanto que no primeiro o que defende é a sua própria vida e tudo o que ele possui. Neste contexto, pode ser aplicado o ditado chinês: Teme a ira de um homem pacífico!

Estes comportamentos aplicados à nossa realidade

Se trabalhamos com muitos cães temos oportunidade de observar as três estratégias:

• O cão morde sempre que se “sente” agredido;
• O cão nunca morde mas exibe-se;
• O cão morde somente quando se defende ou está em perigo o seu dono ou o recurso.

Evidentemente esta última estratégia é a mais rentável para o animal e podemos assegurar que é adaptativa e evolutivamente estável e, devido a isso, devemos procurar os exemplares que saibam decidir a estratégia que devem utilizar em cada momento. Em termos coloquiais, o que nos interessa é o cão “burguês”.