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23/09/09

Origem e Evolução da Espécie Canina


No ano do 200º Aniversário de Charles Darwin e do 150º da publicação da sua magistral obra “A ORIGEM DAS ESPÉCIES”, damos o nosso modesto contributo aliando-nos às comemorações destes importantes eventos com a publicação deste artigo


As últimas investigações da genética molecular poderão alterar tudo aquilo que pensávamos em relação ao período, que era consensual, acerca da qual a espécie canina evoluiu demarcando-se da que lhe deu origem: a espécie lupina.

O mito conta que o homem achou que o cão era uma companhia útil e resolveu acolhê-lo. Os cães eram guardas, pastores ou ajudavam na caça. O testemunho arqueológico mais antigo de cães com uma morfologia diferente da dos lobos remonta a 16 mil anos no Médio Oriente, sugerindo uma evolução que coincide com o aparecimento das primeiras aldeias e antecede em alguns milhares de anos a domesticação de outros animais como as ovelhas e cabras.

A ideia de que os cães surgiram quando o homem se tornou um ser sedentário, é frequentemente repetida, de tal forma que é surpreendente encontrar provas na genética que contradizem por completo este conceito. A prova está num estudo feito por Robert Wayne, um biólogo da Universidade da Califórnia em Los Angeles, que aplicou as ferramentas da biologia moderna a cães, lobos, coiotes e chacais. Robert Wayne e os seus colegas recolheram amostras de sangue, tecido e pêlo de 140 cães de 67 raças e de 162 lobos de três continentes. Os cientistas mediram as diferenças existentes nos ADN das mitocondrias a fim de calcularem como esses vários tipos de caninos estão relacionados entre si e qual a data possível da separação de um antepassado comum. As mitocondrias são pequenas células que estão dentro das células dos animais e que transformam comida armazenada em energia com a ajuda do oxigénio e que também têm a particularidade – muito apreciada pelos geneticistas, aliás – de se reproduzirem assexuada e independentemente do resto da célula. O ADN normal de uma célula animal provem de ambos os pais. No entanto, o ADN das mitocondrias vem exclusivamente do ADN das mitocondrias da mãe. Numa reprodução sexual normal, a mudança genética de uma geração para a geração seguinte é muito rápida devido às misturas dos genes parentais em novas combinações.

Isto significa que o ADN das mitocondrias pode ser utilizado como um cronómetro da evolução. Os Lobos e os coiotes diferem em cerca de 6% no ADN das mitocondrias e, de acordo com fósseis descobertos, separam-se de um antepassado comum há cerca de um milhão de anos. Os lobos e os cães diferem em apenas 1%, o que sugere que lobos e cães se separaram há cerca de 135 mil anos, muito mais cedo do que a data sugerida para a descoberta do primeiro fóssil de um cão sem semelhanças com o lobo.

O cronómetro da evolução é uma medida antiga que não capta diferenças que tenham ocorrido entre as várias raças nas últimas centenas de anos. A descoberta mais marcante da equipa de Wayne foi constatar que não existia quase relação nenhuma entre a raça do cão a as sequências de ADN das mitocondrias. Em oito Pastores Alemães, os cientistas descobriram cinco sequências diferentes; em seis Golden Retrievers, descobriram quatro e as mesmas sequências apareceram repetidas vezes em muitas raças que aparentemente não tinham qualquer relação entre elas.

A questão é esta: se os cães forem de facto domesticados há mais de 100 mil anos, como sugerem os estudos de Wayne, então não houve muita variedade de raças nesses mesmos 100 mil anos. Em vez de se separarem em diferentes raças, o conjunto de genes caninos permaneceu num só, mas misturado. Houve uma saída de genes considerável na população, o que não teria acontecido caso os homens tivessem tentado manipular a criação dos seus cães ou desenvolvido raças especiais com determinadas características. O estudo de Wayne também sugere que durante muito tempo a diferença genética entre o cão e o lobo era demasiado pequena para provocar qualquer mudança morfológica significativa que pudesse ser comprovada no fóssil.

Mesmo se a distância do lobo ao cão fosse pequena, aparentemente isso não acontecia muitas vezes. Wayne descobriu que as sequências do ADN das mitocondrias se juntavam em quatro grupos principais. Se houvesse um novo afluxo de sangue de lobo na população canina (isto é, se o cão fosse reinventado sucessivas vezes de populações selvagens em épocas diferentes), estes diferentes agrupamentos não teriam ocorrido. Wayne concluiu que os primeiros cães “foram inventados de alguma forma na sociedade humana” para serem geneticamente isolados da população de lobos selvagens. E também que a domesticação dos cães provavelmente foi “um acontecimento raro”, algo que sucede muito poucas vezes.

Tudo isto aconteceu numa altura em que “os humanos não eram ainda humanos”, tal como refere Gregory Acland – veterinário que trabalhou com o investigador Aguirre no Centro para a Genética e Reprodução Canina de Cornell - , o que levanta a possibilidade interessante que o homem pré-histórico não tenha querido sequer domesticar cães. Pelo contrário, o cão pré-histórico achou por bem ficar perto dos humanos e convenceu-os a não lhe atirarem pedras nem a comê-lo.

Claro que este é um comentário hipotético. Se esta descrição está certa, não foi com intenção consciente dos cães. Mas também não houve praticamente intenção da parte dos humanos. A maravilha e a beleza da escolha natural está na criatividade e na inteligência “impensada” com que essa escolha é feita. A verdade é que os homens com os seus acampamentos, as suas pilhas de lixo e práticas de caça, representavam um nicho ecológico ideal para a exploração dos lobos, ou pelo menos por aqueles lobos, que na sua estrutura genética, conseguiram explorar aquele nicho e depois passaram esta capacidade aos seus descendentes. Apesar de existirem lobos espalhados por todo o Mundo, desde a Europa à Ásia, à América do Norte, a população total resume-se a 150 mil espécimes. Nos Estados Unidos existem cerca de 50 milhões de cães com dono e mais outros tantos sem dono, o que pode ser interpretado da seguinte forma: é preferível “engraxar” as pessoas que lutar contra elas.