A Inteligência
A inteligência canina, à semelhança do que acontece em muitas outras espécies, pode-se configurar como qualitativamente igual à nossa mas quantitativamente muito inferior. Quando falamos de inteligência confrontamo-nos sempre com a mesma questão: O que é e como podemos defini-la? Se houvesse um só padrão para podermos medir o grau de inteligência inter ou intra-específica, não teríamos problemas para escalonar um animal, no seu nível intelectual, em relação à espécie humana.
Num seminário em que participei numa Universidade Espanhola e que foi ministrado por um Professor de Psicologia e por um Professor de Etologia, um dos temas em discussão foi o da inteligência animal. Durante o debate passou-se do antropomorfismo ao cepticismo e da paixão ao pragmatismo. No final e, perante a tese de que os animais superiores “pensam” qualitativamente igual a nós, alguns assistentes protestaram veementemente. Concretamente um deles definiu a inteligência como “a capacidade de criar ou produzir algo que tenha a ver com arte”. O Etólogo argumentou que determinados primatas pintaram quadros muito parecidos aos de Picasso e outros, inclusivamente criaram um estilo próprio, depois de um adestramento adequado. A anedota surgiu quando um dos participantes, com falta de justificações científicas para desmontar a tese, comentou: “Para mim, inteligência qualitativa é um chimpanzé escrever D. Quixote de La Mancha!” O Professor de Etologia, com ar astuto respondeu: “Nem você nem eu juntos e em muitos anos, seríamos capazes de competir com Cervantes em tal façanha e assim, segundo as suas razões, está-nos a equiparar em inteligência a um simples chimpanzé!”.
A nossa inteligência, comparada à de um cão, é igual mas com um período evolutivo impressionante a nosso favor. Assim, o animal prevê a consequência de uma resposta, associa estímulos, cria padrões próprios de conduta e realiza um monte de sequências baseadas no mesmo padrão inteligente de um ser humano. Fundamentalmente, o que distingue o tipo de inteligência do homem da do cão é que, enquanto este aprende a resolver os seus problemas e conflitos de sobrevivência através da inteligência associativa, o homem para atingir os seus objectivos utiliza outro tipo de inteligência mais complexa e mais elaborada, a cognitiva.
A Aprendizagem
Em termos gerais entende-se por aprendizagem, qualquer mudança de conduta de um animal, numa situação determinada, que é atribuída à sua experiência prévia com essa situação ou com outra que compartilhe certas características. Excluem-se por tanto, as mudanças que se devem à adaptação sensorial, à fadiga muscular, a possíveis danos físicos ou à maturação mental.
Podemos assim chegar à conclusão que um cão aprendeu algo, quando observamos uma mudança significativa no seu comportamento mas, temos que distinguir entre aquelas mudanças que se devem à aprendizagem das que se podem atribuir a outras causas. Se um cachorro procura comida num determinado local, e que algumas horas antes não o fazia, pode-se dever esta conduta a que agora esteja com mais fome que antes e que o que mudou foi o seu estado motivacional.
Foram propostas diversas classificações para os distintos tipos de aprendizagem:
1. Aprendizagem não associativa
Quando, depois de várias ocasiões nas quais se expõe o animal a um estímulo, este deixa de licitar uma resposta, diz-se que se produziu uma habituação. Podemos assegurar que, se a habituação está tão estendida no reino animal, deve ter uma grande importância biológica na hora de descriminar e tomar decisões apropriadas a cada situação evitando o gasto inútil de energia que implicaria o responder de forma repetida a estímulos que a experiência demonstra que são irrelevantes. Um cão jovem é normal que ladre a qualquer coisa (inclusive a uma mosca). Quando passa à fase juvenil o ladrar sem necessidade só implica um gasto de tempo e sobretudo de energia sem obter consequências positivas.
A aprendizagem também pode causar o aparecimento de novas respostas em vez da extinção das antigas. A este mecanismo dá-se o nome de sensibilização. Assim, um cão pode dirigir certas respostas em função de um estímulo, previamente neutro, depois de haver sido exposto a estímulos motivacionalmente importantes como o alimento (+) ou um castigo físico (-).
2. Aprendizagem associativa
Caracteriza-se porque o cão aprende a associar dois estímulos unidos no tempo. No condicionamento clássico ou Pavloviano, o primeiro estímulo é o condicional (uma luz, som, etc.) e o segundo o incondicional (alimento, água ou carícias). A vantagem da mudança para o condicionamento operante ou instrumental, primeiro é o sucesso de uma resposta comportamental do cão mais assertiva e o segundo, é a consequência que obtém desse comportamento. Tanto utilizando um método como o outro, a consequência será sempre reforçante.
A capacidade de aprender através destes dois tipos de condicionamento, resulta num grande valor adaptativo porque permite ao cão fazer com que seja mais previsível tudo o que ocorre no seu meio ambiente e responder com um comportamento mais adequado. Não obstante, o condicionamento operante é o melhor método dos dois porque permite ao cão desenvolver uma grande capacidade de “inventar”. Se para além disso, o animal, possuir uma certa capacidade cognitiva, o repertório pode aumentar exponencialmente. Noutras palavras, graças à aprendizagem associativa, o cão pode identificar relações de contingência e relações causais entre acontecimentos externos e o seu comportamento e os efeitos que estas podem ter.
3. Aprendizagem latente
Existem ocasiões em que um animal adquire informação do seu meio ambiente sem necessidade de obter uma resposta concreta e imediata. A este tipo de aprendizagem dá-se o nome de latente. Sabe-se que a informação está aí porque, dadas as condições apropriadas, o organismo faz uso dela. Normalmente adquire-se por exploração e pode ser de um grande valor adaptativo. Em liberdade poderia, por exemplo, ser a diferença entre ser depredado ou não. Quase todos os animais mostram precaução perante uma coloração apossemática (que não é venenosa) ou de advertência que exibem as suas possíveis presas.
4. Aprendizagem súbita
Tem lugar quando um indivíduo é capaz de resolver um problema sem recorrer ao processo tentativa / erro. Noutros termos, poderá dizer-se que o cão é capaz de usar informação, obtida num dado contexto, para resolver mentalmente, um problema surgido noutro contexto diferente.
Quando um animal resolve uma situação rapidamente, devido à experiência adquirida na resolução de outras similares, diz-se que desenvolveu estratégias de aprendizagem (learning sets). Realmente estas estratégias são de um grande valor adaptativo porque poupam ao cão uma grande quantidade de tempo na aprendizagem que, de outro modo, se perderia se tivesse que resolver cada problema em separado. Em termos de adestramento chamamos a este conceito capacidade de resolução.
5. Aprendizagem social
Os animais que vivem em grupos sociais – como é o caso do cão – são capazes de aprender com outros indivíduos da sua espécie. É normal os primatas aprenderem a usar “ferramentas” para se alimentarem e inclusivamente, o uso de plantas medicinais. Nos cães que vivem em “matilhas mais ou menos livres” podemos observar como os cachorros que não tenham sido condicionados a um estímulo, reagem frente a ele, como viram fazer os seus progenitores.
Resumindo
De todas as formas de aprendizagem a mais utilizada, devido aos seus bons resultados, é a associativa instrumental ou operante. Realmente é aquela que preconizamos e utilizamos no nosso trabalho ainda que, logicamente ajustada à capacidade de cada indivíduo, e à sua raça.
O problema do adestrador complica-se sempre que, em vez de utilizar um rato de laboratório, indefeso perante as nossas manipulações, se enfrenta com um animal que não tem “nenhuma vontade” de se submeter a nenhum condicionamento e que para além disso se sente apoiado pelos seus dentes e pelo seu dono. Nunca vimos nenhum cão contente no primeiro dia que lhe colocamos a coleira e o obrigamos a adoptar uma postura de submissão. Com o passar do tempo e se a aprendizagem a que foi submetido é a correcta, voltará louco de alegria ao ver “o instrumento de tortura” nas nossas mãos.
A Memória
Quando falamos de aprendizagem não podemos descartar ou separar o factor memória como uma função do intelecto. Tradicionalmente os fisiólogos da conduta distinguem dois tipos de memória: de curto prazo e o de longo prazo. Realmente esta distinção baseia-se no tempo que leva o animal a esquecer um facto.
Os processos necessários para que um animal possa recordar um facto passado são: a codificação, a consolidação e a recuperação.
No primeiro processo a informação que se dá ao cão, passa a memória de curto prazo. A consolidação consiste na transferência dessa informação, desde a memória de curto à de longo prazo. A recuperação produz-se quando o animal necessita dessa informação para resolver um problema ou uma situação.
O processo mais importante dos três, para utilizar no adestramento, é sem dúvida o da consolidação. Nele intervêm uma variedade de hormonas e neurotransmissores. A adrenalina tem um importante papel na consolidação dos processos de aprendizagem, de tal forma, que uma certa concentração plasmática de glucose, provocada por ela, é benéfica assim como um aumento importante pode provocar um efeito contrário.
A consequência prática do exposto é que uma activação normal ou média do sistema nervoso facilita a aprendizagem assim como uma dose de stress o medo dificulta seriamente os processos de consolidação.