Como
nos humanos, os cães também passam por um período similar à nossa adolescência
que no caso deles tem o nome de “período juvenil”.
Também
como nos humanos, este período tem como principal finalidade a afirmação e
integração do cachorro no seio da matilha (família) onde estão inseridos, com
todas as consequências, positivas e negativas, que daí advêm. Inicia-se com o
final do período crítico ou de socialização, entre os 3 e os 4 meses, e termina
em plena fase de maturação sexual, por volta dos 12 meses.
Um
dos principais objectivos da posse de um cão e, para que ele os cumpra, é que
seja amistoso, confiante, dócil e obediente de forma que sejamos capazes de
resolver os problemas que podem influenciar os seus comportamentos e o seu
adestramento durante a sua juventude, e que ele possa enfrentar a imensa
convulsão social a que os cães, sobretudo os machos, têm que fazer frente
quando entram na sua “adolescência”.
É
muito mais fácil entrarmos nesta idade canina com um cão correctamente
socializado e bem educado, o que não quer dizer que este trabalho de fundo não
continue durante o período juvenil, apesar de poder ser uma tarefa difícil se
não se souber como a enfrentar, e é essa a finalidade deste artigo: ajudar os
adestradores e, fundamentalmente os donos, a superar esta fase bastante critica
do comportamento social dos cães.
Mudanças de
comportamento durante a adolescência
O
comportamento está continuamente a mudar, umas vezes para melhor e outras para
pior. Existem muito mais probabilidades de tudo correr bem se trabalharmos de
forma recorrente com o nosso cão adolescente, mas de certeza que existem muito
mais hipóteses de tudo correr mal se definitivamente nada fizermos. Nesta
altura das suas vidas, tanto o seu comportamento como o seu carácter tendem a
estabilizar (para o bem e para o mal) e para que se alcance esse equilíbrio
benéfico só é necessário que o dono tenha o cuidado de gerir esta etapa da vida
do seu cão de forma a que o animal, através de experiências positivas, aprenda
a conduta que deve apresentar para que a inserção na estrutura familiar seja a
mais correta. Pelo contrário, se não existir o cuidado de acompanhar este
período da vida do animal de forma assertiva, poder-se-à no futuro não
conseguir controlar as situações, podendo como consequência haver mudanças
catastróficas que serão projectadas no seu carácter e, por arrasto, no seu
comportamento futuro. Mesmo depois de ultrapassada esta fase e o animal alcance
a sua maturidade social, devemos continuar atentos à aparição de comportamentos
não desejados, que devem ser de imediato eliminados antes que se convertam em
hábitos difíceis de erradicar.
A
adolescência dos cães é a etapa em que tudo pode começar a desmoronar-se a não
ser que se faça um esforço coordenado, se for caso disso com o adestrador, para
a superar e alcançar a estabilidade da idade adulta. É, como a anterior, uma
etapa critica e se é ignorada nesta altura a sua educação, iremos dar-nos conta
que vivemos com um cão com maus hábitos, pouco familiarizado e, quiçá,
altamente hiperactivo e descontrolado com todas as consequências desagradáveis
que daí advêm.
A hierarquização como
factor de integração na família humana
Esta
é a melhor altura da vida de um cão para desenvolver as suas capacidades de
adaptação ao meio ambiente em que vive, de hierarquização e de discriminação
das características presentes no seu mapa filogenético. Dito de uma forma mais
abrangente é neste período da vida dos cães que são desenvolvidos intrinsecamente
os conceitos de hierarquia: liderança e submissão sem que esta seja sinónimo de
subjugação. Como o leitor já deve ter reparado, não utilizamos aqui o termo
dominância porque, como já afirmámos em artigos anteriores, esse é um conceito
errado que não é aplicado aos cães na sua convivência com os humanos. O dono
deve aproveitar esta altura para mostrar ao cão que está inserido numa
estrutura social em que as regras são ditadas e impostas pelo elemento humano
do grupo e, como tal, para que tudo decorra correctamente e sem grandes
contratempos de percurso, só tem que as aceitar e seguir.
Para
que isso aconteça, o dono, ajudado pelo adestrador, deve tomar algumas atitudes
que induzem no cão que este não necessita de disputar a liderança no grupo
porque esta posição já está ocupada pelo elemento humano e de que forma é que
nós vamos dizer isso mesmo ao cão? Através de uma atitude coerente, recorrendo
a descriminações positivas e negativas das condutas do animal (recompensando as
boas e ignorando as más), interagindo com o animal e aproveitar os passeios
para fomentar essa ligação através de brincadeiras controladas, sem excessos
para evitar condutas de hiperactividade, ao mesmo tempo que, subtilmente, se
começará a introduzir alguns exercícios de obediência básica. Ignorar os
pedidos constantes de atenção por parte do cão; somos nós que decidimos quando
e em que contexto o animal terá a nossa atenção com o objectivo fundamental de
prevenir os saltos constantes e a colocação das patas no nosso peito, assim
como os irritantes ladridos típicos de pedido de atenção. A refeição e a
importância que esta tem para a sobrevivência dos animais, também deve ser
aproveitada para o estabelecimento e reforço da hierarquia através de processos
simples, tais como, a hora, o local e o recipiente da refeição devem ser sempre
os mesmos, o animal tem que fazer sempre qualquer coisa de positivo para que
possa começar a comer, como sentar-se, por exemplo, todos os elementos humanos
da residência devem poder mexer na comida e retirá-la, se for caso disso,
enquanto o cão se está a alimentar, sem que este manifeste nenhuma atitude
agressiva.
O que se pode e deve
fazer nesta fase
O
início desta fase é altura óptima para se começar, além do estabelecimento da
hierarquia, alguns processos de modificação de conduta, tais como:
- Criar associações na cabeça e nos hábitos dos cães como sejam, por exemplo, o trabalho do condicionamento clássico em que de um estímulo previamente condicionado obtemos uma resposta também condicionada. Poderemos assim, fazer com que o cão dê uma extrema importância ao ouvir o barulho de um clicker, por exemplo, e essa associação vai ser de extrema importância no futuro, durante os trabalhos de aquisição de hábitos nos exercícios de obediência básica;
- Ensinar, de forma assertiva e sem recorrer a castigos físicos, que o seu comportamento tem sempre uma consequência – positiva se é o desejado, através de recompensas, ou negativa se não foi o solicitado, através da inibição da recompensa ou do acto de ignorar o cão. A este processo de criação de associações foi dado o nome de Condicionamento Operante porque opera sempre sobre o comportamento do cão e as consequências que este produz;
- Se na altura devida não foi efectuada, podemos ainda, nesta fase, proceder ao ensino da inibição de mordida. É sempre muito desagradável e motivo de algum distanciamento e pretexto para não se interagir com um cão o facto de este, recorrente e inconscientemente, por não lhe ter sido ensinado que deve abrandar a pressão que coloca nas mandíbulas quando em contacto com a nossa pele, mordiscar as mãos e os braços dos donos. É um processo simples, fácil e rápido de se “dizer” ao cão que, se não nos tocar com os dentes quando estamos a brincar, essa brincadeira poder-se-á tornar muito agradável e estimulante. Os bons adestradores sabem como o fazer
- É o período ideal para se iniciarem os trabalhos de adestramento em obediência básica e social. É nesta altura que as brincadeiras lúdicas e inconsequentes se transformam, subtilmente, em algo com algum conteúdo e utilidade para a convivência com o grupo humano, e não só, da sua matilha. Através de processos que utilizam os instintos e os reflexos do cão podemos potenciá-los, transformá-los e canaliza-los para os objectivos que pretendemos, sempre de uma forma positiva, assertiva e sem recorrermos ao castigo, principalmente físico e verbal. Se nós conseguirmos enraizar na nossa mente que os cães, e os outros animais, aprendem com as experiências vividas e criando relações entre elas, estamos capacitados para compreendermos o nosso cão e evitarmos erros desnecessários que irão comprometer irremediavelmente, não só a nossa relação com ele, mas também todo o trabalho correcto feito até ali. Metamos isto na nossa cabeça: o cão fez uma coisa bem feita, então recompensamos, se, pelo contrário, fez algo que não devia, em vez de castigarmos física ou verbalmente, ignoramos. Eles são excelentes discriminadores e brevemente chegarão à conclusão que vale mais a pena fazerem algo que da última vez foi recompensado do que algo que foi ignorado. O processo de castigar os animais quando estes fazem qualquer coisa que não devam, foi o utilizado durante muitos anos, até ao desenvolvimento a etologia como a ciência da aprendizagem e do ensino animal, pelos adestradores. Actualmente faz-se precisamente o contrário: recompensam-se os bons comportamentos e não se premeiam os maus ou até se ignora o animal que os pratica.
- Outra acção que se pode fazer nesta fase, se não houve oportunidade de o fazer mais cedo, é a socialização intra-especifica, com animais da mesma espécie. Este trabalho é muito importante para evitar problemas futuros, principalmente confrontações entre machos inteiros (não castrados) tornando-se sempre muito desagradável e passível de lesões corporais por vezes de prognóstico reservado. Este trabalho de socialização deve ser efectuado em ambiente controlado, num recinto fechado, de preferência o mais cedo possível e com animais com mais ou menos a mesma idade.
O que não se deve fazer nesta fase
Todo
o processo de ensino e modificação comportamental num cão deve ser feito sempre
com enfoque na recompensa e não no castigo e, acima de tudo, nunca devemos
ceder quando estabelecemos planos de hierarquização.
Os
cães têm uma capacidade imensa de nos fazer sentir pena deles e adoptam
condutas e posturas que nos levam a isso. Se, mesmo por uma vez que seja,
inadvertidamente, cedemos, então estamos perante um problema de difícil solução
por processos assertivos, portanto, o primeiro passo é certificar-mo-nos que o
que estamos a fazer é o correcto, e para isso podemos pedir ajuda a um
adestrador que utilize o reforço positivo no seu método de trabalho, depois, é
implementar de forma coerente e irreversível todos os processos que levem à
consecução dos nossos propósitos.
Não
devemos, por proposta de um nosso amigo, de um suposto “expert” na matéria, ou
de quem quer que seja, desviar-mo-nos do nosso caminho sempre que tenhamos a
certeza de que o que estamos a fazer é o correcto. Se assim fizermos e se
seguirmos à risca todos os conselhos aqui apresentados, teremos de certeza no
futuro um grande companheiro para a vida pronto para ter e para nos dar grandes
alegrias.