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18/05/11

SELECÇÃO DE CÃES DE TRABALHO

Iniciamos este mês uma trilogia sobre cães de trabalho e utilidade.

Devido ao facto de esta espécie ter potencialidades em grande medida ainda por explorar – pensa-se que cerca de 80% das capacidades dos cães ainda estão por aproveitar – esta é uma área que tem ocupado bastante os investigadores que, aliados aos criadores e adestradores, uma vez que é de uma área multi-factorial que estamos a falar, têm obtido assinaláveis progressos nos últimos vinte anos.

O objectivo

No processo selectivo do cão, em que se deve orientar o Adestrador profissional ou o desportista, a questão principal é o conhecimento pleno do objectivo e a sua consecução com a máxima eficácia.

Nem sempre se poderá seleccionar o indivíduo objecto do adestramento já que, no caso do profissional, a maioria das vezes tenderá a adaptar o objectivo ao cão do cliente e o habitual nestes casos é a presença de limitações em exemplares que não foram escolhidos em função de uma utilidade determinada.

No exemplo seguinte queremos realçar a qualidade principal que caracteriza cada raça tendo sempre presente que a selecção estará sempre marcada pelo factor indivíduo e não pelo etnológico. À relação, que expomos de seguida, de objectivos segue-se outra de cães para que o leitor possa estabelecer uma inter-relação lógica que clarifique o que é exposto.

OBJECTIVOS

1.- Patrulha policial em parques públicos.
2.- Patrulha policial em zonas de grupos em conflito.
3.- Detecção de drogas e explosivos.
4.- Segurança privada na recolha e entrega de valores.
5.- Segurança privada em unidades industriais.
6.- Protecção de pessoa idosa.
7.- Efeito dissuasor em bancos e lojas de valores (joalharias relojoarias,
etc.).
8.- R.C.I.
9.- Condutor de invisuais.
10.- Assistência a pessoas com deficiência.


CÃES

A.- Pastor Alemão de trabalho. Indivíduo resoluto e gregário.
B.- Boxer. Psiquicamente estável e muito sociável com as crianças.
C.- Pastor Belga Malinois. Rápido e sensitivo.
D.- Dobermann. Baixa dominância em relação ao seu dono.
E.- Rottweiler. Muito territorial.
F.- Springer Spaniel. Activo e sociável.
G.- Retriever do Labrador. Boa índole, dócil e resoluto.

Ao ligar indivíduos com objectivos podemos cair na tentação de adaptar um mesmo exemplar a todos eles. Esta situação ocorre principalmente com o Pastor Alemão devido à sua fama de “4x4”, apesar de esta qualidade lhe ser reconhecida, não devemos esquecer que, por exemplo, o efeito dissuasório do Rottweiler é superior ao dos restantes e o contacto com crianças, no objectivo 1, faz com que o Boxer seja o animal indicado. No objectivo 6 o Dobermann pode ser o indicado já que necessita de pouca manutenção, assim como os objectivos 9 e 10 podem ser alcançados com um indivíduo de escassa agressividade, dócil e resoluto como é o caso do Retriever do Labrador.

Os exemplos anteriores levam-nos ao estabelecimento de três premissas:

1ª.- É imprescindível conhecer perfeitamente o objectivo.
2º.- Devemos analisar cuidadosamente o indivíduo quer física quer psiquicamente.
3º.- Vários indivíduos podem ser adaptados a um objectivo mas, o êxito na sua consecução, dependerá da selecção do cão ideal.

Outra forma de traçar a relação cão/objectivo pode ser expressada através da pergunta: O que é mais importante, o indivíduo ou o próprio objectivo? Dito de outra forma: Pretende-se que determinado cão alcance um objectivo específico? Ou: A consecução deste não é prioritária? Se se escolhe a primeira opção, as limitações do objectivo estarão ligadas às do cão. Na segunda, uma vez encontrado o animal ideal o propósito será alcançado plenamente se o método e os instrumentos forem os correctos.

Criação e selecção de cachorros

Um dos recursos do adestrador para conseguir obter exemplares de trabalho consiste em recorrer à sua própria criação. Tentará conseguir certas linhas genéticas dentro de uma determinada raça, que apresentem uma importante homogeneidade nos caracteres herdados que definem a atitude dos indivíduos que daí resultem.

O factor principal na criação, selecção do cachorro e do adulto, é a saúde. É o suporte que mediatiza o desenvolvimento dos seus instintos, capacidades psíquicas, aprendizagem e utilização.

Os reprodutores devem ser cães sãos e livres de problemas congénitos no seu genótipo. Os derivados do sistemas locomotor e ósseo podem ser os mais frequentes em raças de médio e grande porte. A epilepsia e outras patologias endógenas são, em grande parte hereditárias e devem ser afastados da criação aqueles exemplares que procedam de algumas linhas com este tipo de incidência. As fêmeas devem ser boas parturientes e zelosas na disponibilização dos cuidados parentais. Uma cadela equilibrada e segura transmitirá importantes qualidades aos cachorros que cuida mesmo que seja somente ama-de-leite. Os criadores de cães de trabalho sabem o importante que é o papel da fêmea no desenvolvimento dos padrões ontogénicos condutais do cachorro, para que ninhadas medíocres podem ser substancialmente melhoradas mudando-lhes a mãe, precisamente depois do parto, por uma adoptiva de qualidade superior.

Além disso, o criador tem a responsabilidade de manipular adequadamente os cachorros por duas razões principais. A primeira é que, com o devido conhecimento, melhorará neles certos factores de personalidade e a segunda é que irá progressivamente conhecendo, com detalhe, os traços mais importantes dos seus caracteres facilitando enormemente a sua posterior selecção.

No caso de se optar pela aquisição de um cachorro, deve-se assegurar que o criador observa as prevenções mencionadas confiando-se na sua profissionalidade, conhecimentos e rigor. Se não conhecer adequadamente as suas linhas de criação, deve estudar a genealogia dos cachorros recompilando toda a informação possível. Observar e estar permanentemente em contacto com a ninhada facilitará a eleição adequada mas não devemos esquecer que é o criador que deve orientar o comprador sobre o desenvolvimento das qualidades que conformam o carácter das suas linhas de criação.

É recomendável optar por pequenos criadores que por sua vez, sejam profissionais de adestramento ou praticantes de desporto canino já que, por um lado, estes têm mais possibilidades de prestar os cuidados e manipulações aos cachorros, que um criador que conta com várias ninhadas em simultâneo e, por outro o facto de trabalhar com este tipo de cães possibilita-o conhecer e valorizar as virtudes que deve ter um cachorro segundo o objectivo a que se destina.

Para a selecção do cachorro podem-se utilizar testes mais ou menos fiáveis, como é o caso do de Campbell ainda que, o criador profissional, conhecedor dos seus cães, deve dar a sua valiosa informação sobre cada animal.

Tendo em conta as análises ao cão realizadas em artigos anteriores, sugerimos alguns testes que nos podem auxiliar a conhecer melhor o cachorro que vamos escolher.

Sensibilidade à voz.
Chamada com o cão distraído.

Dureza física.
Apertando com os dedos polegar e médio o espaço interdigital da mão do cão com o objectivo de analisarmos o seu nível de resistência à dor.

Recuperação do stress.
Introdução de um cachorro numa caixa, voltamo-la e observamos a sua reacção ao tirá-lo

Territorialidade.
Observamos a reacção do animal perante a intrusão de um estranho.

Instinto de caça.
Seguimento de objectos em movimento.

Defesa.
Observamos o cachorro em luta com os irmãos.

Além disso e como já abordámos em artigos anteriores, devemos estudar detalhadamente o seu temperamento, sensibilidade física, capacidade de recuperação, capacidade resolução de problemas e conflitos, intrepidez, tenacidade, liderança e capacidade sensorial.

É imprescindível que no cachorro se preveja um animal são, bem estruturado para o trabalho, cheio de instintos, resoluto, relativamente duro e com boa capacidade de recuperação e aprendizagem.

Selecção de cães adultos

Entre as possibilidades com que conta o adestrador para atingir um objectivo, está a de obter um cão jovem ou adulto, com trabalho ou sem ele. Uma vez comprovado o seu estado de saúde, através de check-up veterinário, e sendo interessante a sua genealogia, analisar-se-á o exemplar da mesma forma que expusemos anteriormente, tendo sempre em conta que a evolução imediata do trabalho estará sempre condicionada pelas suas experiências anteriores.

Certos comportamentos serão estudados com mais realismo e determinação do que em cachorro já que a maturação actua sobre os padrões ontogénicos do comportamento. Mesmo assim, as anomalias que se detectam devem ser analisadas no contexto das experiências passadas.

Devemos igualmente interrogar-nos do “por quê?” da venda e ter em conta que pequenas limitações podem tornar inútil um exemplar para a consecução de determinados objectivos mas, apesar disso, ser útil para outros.

Outro factor aliado à idade é o preço. Um cão adulto já não é uma promessa mas uma realidade e esse facto tem que o seu custo. Se além disso já está adestrado ou iniciado numa determinada tarefa, encarece ainda mais o preço. A opção por este tipo de aquisição deve ser ponderada, tendo em conta todos os factores possíveis mas, principalmente e considerando o objectivo: Adaptação do cão a esse mesmo objectivo.

Análise do cão estranho

Sempre que o adestrador tem como missão formar um cão desconhecido, deve analisar as suas aptidões para decidir as possibilidades que oferece.

Para enquadrar o animal num correcto contexto de factores ambientais, depois se serem descartados possíveis problemas ou anomalias psicofísicas, deve-se estabelecer um protocolo pessoal em que sejam especificadas perguntadas que devem ser feitas ao proprietário, tais como: onde vive o cão (casa ou canil), relação com a família, tempo que lhe é dedicado, enfermidades, comportamentos anómalos, relação com outros cães, com desconhecidos, amigos e qualquer outra questão que o adestrador considere oportuna para a realização do seu trabalho.

No artigo do próximo mês iremos falar em pormenor das raças de utilidade e trabalho.