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16/08/13

Recompensa e Castigo

Numa altura em que se disseminam comercialmente os dispositivos para correção de problemas comportamentais com estímulos altamente aversivos, estando ao alcance de todos o sua aquisição, e cada vez estão a ser utilizados com maior frequência pelos próprios donos, sem terem o mínimo conhecimento técnico para o fazer, decidimos escrever este artigo para alertar que esse equipamento, para ter alguma utilidade, tem que ser manejado por quem sabe para que possa produzir o efeito desejado. Aproveitámos também para realçar que a grande maioria dos problemas comportamentais dos cães podem ser resolvidos por uma simples mudança de atitude dos donos e que outros podem ser perfeitamente solucionados através de contracondicionamento e dessensibilização utilizando as recompensas em vez dos castigos.

 A quantidade e o tipo de motivação exigidos para que um cão desempenhe um comportamento variam consideravelmente de acordo com o indivíduo, meio ambiente e satisfação relativa obtida a partir desse comportamento. Nalguns casos, a recompensa de um comportamento particular pode ser controlada pelo dono. Uma recompensa alimentar especial para sentar após o comando e uma festa na cabeça por vir quando é chamado, são disso exemplos. No entanto, muitas vezes, é a situação que é recompensadora de forma que os tipos de recompensas são bastante variáveis. A perseguição de um corredor ou de um carro é recompensada pela “obtenção” da fuga do objecto. O latido resulta em atenção ou permissão para entrar em casa. A escavação confere ao cão um buraco para se resfriar ou um meio de fuga. Independentemente de qual seja o problema comportamental específico é importante avaliar a situação para determinar se está envolvida alguma recompensa situacional.

 Se a recompensa exercer um papel num comportamento indesejável, um desvio desse comportamento também pode ser recompensado. Pode-se fazer com que o cão que salta para conseguir atenção se sente para atingir o mesmo objectivo. O cão que protege o seu comedor do dono pode aprender que a abordagem do proprietário significa que ele ganhará recompensas alimentares pequenas por bom comportamento. O desvio da atenção do cão que ladra constantemente proporciona um breve período de silêncio que pode ser recompensado.

 Os castigos também podem ser aplicados de várias maneiras e os cães individualmente variam quanto ao que consideram como castigo. Se o resultado final de uma punição não for uma diminuição na incidência do comportamento, então a técnica não será verdadeiramente um castigo para esse cão. Para que uma punição seja efectiva, deve ser imediata, ocorrer em todos os momentos que o comportamento acontecer, ter uma intensidade e uma duração apropriadas, ser aplicada de acordo com o contexto e permitir uma resposta alternativa do animal.

 Alguns cães reagirão a uma voz elevada com um comportamento de submissão total. A dor proveniente de uma palmada, pode não afetar um Rottweiler, mas pode ser demasiado severa para um Poodle, e seria uma agressão para um Boston Terrier. A intensidade da punição em relação ao indivíduo é tão importante quanto a oportunidade da sua aplicação. Deve ser suficientemente forte para ser considerado como um castigo por parte do cão, mas não deve ser tão forte que possa tornar-se excessiva ou perigosa. Um estímulo aversivo pode desencadear uma resposta de fuga ou uma manifestação agressiva por medo e pode interferir na lição pretendida ou na relação dono-cão. Por outro lado, se a punição for muito leve no início e for aumentada gradualmente, o nível efectivo terá de ser muito mais alto do que aquele que se necessitaria inicialmente.

 O castigo é mais efectivo se o cão o experimentar imediatamente no contexto do evento em vez de ser aplicado quando o dono se apercebe do facto merecedor da punição. Uma punição remota iguala o desempenho de um comportamento particular com um resultado negativo. Se empurrar uma porta aberta para entrar num local proibido resultar numa série de latas caindo ruidosamente próximo do cão, o comportamento inaceitável de abrir a porta será punido imediatamente. Outras formas de punição remota incluem ratoeiras ou dispositivos de choques activados quando um cão salta sobre um sofá, um balão preparado para se mover em direcção a um prego sobre a cabeça de um cão ladridor, um interruptor activado por movimentos que fará com que um secador de cabelo sopre ar sobre um cão se ele tentar entrar num compartimento que lhe está vedado e, em casos extremos, as coleiras de choques eléctricos. A variedade de dispositivos de punição remota é limitada somente pela imaginação. Apesar de se encontrar actualmente no comércio uma grande gama deste tipo de equipamentos o seu uso deve ser orientado pelos mesmos objectivos que qualquer outro castigo, ou seja, a sua aplicação deve ser seguida imediatamente ao acto e deve estar diretamente relacionada com o estímulo que a desencadeia e deve ocorrer em todos os momentos em que o animal apresente o comportamento a corrigir. E, atenção, pode ocorrer um sistema de habituação caso se utilize muito frequentemente uma punição num nível baixo.

 Uma palavra sobre o uso de coleiras de choques eléctricos uma vez que são equipamentos sobre os quais donos frustrados normalmente questionam. A coleira de choques com controlo remoto como auxílio à resolução de problemas comportamentais graves, como o caso da agressividade inapropriada, deve ser sempre utilizada por um profissional com conhecimentos de comportamento canino. Um segundo tipo de coleira de choques é activada pelo ladrido. Embora a utilização deste dispositivo seja útil nalguns latidores problemáticos, outros são tão sensíveis que esse castigo torna-se totalmente inapropriado. O outro uso deste tipo de equipamento é em associação com uma cerca invisível. Como foi dito anteriormente, para poder utilizar estes tipos de dispositivos de correção é necessário que o utilizador tenha formação para o efeito, pois a quantidade de punição é frequentemente muito severa ou incompatível, dependendo da força da bateria, calibração da intensidade do choque, raça do cão, quantidade de pelos do cão, grau de contacto cutâneo direto e presença de pelos húmidos. Mais importante, a pessoa que controla o comando pode não conhecer os princípios comportamentais da aprendizagem, incluindo a oportunidade a aplicação do castigo apropriado.

  Sílvio Pereira