Devido às necessidades actuais, têm crescido exponencialmente os hotéis caninos com vista a acolher temporariamente cães de donos que vão de férias ou, por qualquer outro motivo, necessitam de se afastar por um determinado tempo e não podem ser acompanhados pelo seu cão. É de registar, pelo que nos temos dado a perceber, uma intenção dessas instituições de proporcionar um elevado nível de bem-estar do cão de maneira a tentar fazer com que o animal se sinta “como em casa”. Mas muitas dessas intenções são baseadas no estabelecimento de uma analogia connosco próprios, quer dizer, pondo-nos no lugar do cão que está no canil.
Richard Dawkins em 1980 comentava que, “deduzir que um animal sofre enjaulado, porque nós reagiríamos dessa forma numa situação análoga, pode chegar a ser tão absurdo como pensar que um peixe se deveria afogar dentro de água”. Este conceito está tão difundido, que alguns fabricantes de rações preocupam-se em que os seus produtos tenham aromas agradáveis ao olfacto humano.
Quando falamos no castigo através da dor ou submissão, temos que ter em conta que tanto o medo como a dor ou outras formas de sofrimento não ocorrem por azar ou capricho masoquista da natureza, mas que foram produzidas pela Selecção Natural como mecanismos adaptativos e supõem uma vantagem evolutiva tanto para o homem como para o cão.
Por outro lado, a percepção da dor ou sofrimento está associada ao sistema nervoso e os componentes desse sistema é que são muito parecidos em ambas as espécies. Isto torna possível a ideia de que: apesar de não sofrermos pelas mesmas causas, o conceito de dor pode ser similar entre homem e cão.
É nas primeiras horas da estadia do cão no Hotel Canino que, através de observações atentas e conhecedoras, permite avaliar os comportamentos indicadores do seu bem-estar.
Os investigadores apontaram três tipos de comportamento ou categorias metodológicas que podem ser investigadas neste primeiro período de permanência num local estranho e acompanhadas por pessoas estranhas.
1. Modelo de comportamento associado ao GAS
Nalguns cães, o Síndrome Geral de Adaptação (GAS), é acompanhado de erecção dos pelos dorsais, expulsão de fezes e urina, vocalizações específicas, fuga ou agressões. A esta situação é chamada Reacção geral de emergência e, mais que como um indicador fiável de sofrimento, é utilizada para identificar o efeito desencadeador de stress em qualquer das manipulações a que são submetidos pelo tratador.
As reacções gerais de emergência são totalmente desejáveis para a sobrevivência de qualquer espécie. Imaginemos que somos sequestrados e introduzidos local fechado sem podermos comunicar com os nossos familiares. Não podemos, em nenhum momento, pensar que nos encontramos nessa situação por gosto, relaxados e em total acordo com o procedimento utilizado pelos nossos sequestradores. Sem cair no antropomorfismo podemos assegurar que qualquer cão equilibrado mostrará reacções anteriormente descritas. O GAS manifestar-se-á em função da classe hierárquica do indivíduo e o tempo que leva a desaparecer a predisposição do cão para se adaptar à sua nova situação.
2. Comportamentos associados ao medo, conflito ou frustração.
O estudo sobre estes modelos pode ser levado a cabo experimentalmente colocando o animal em situações que provoquem estes estados emocionais:
Presença de um humano com atitudes agressivas = medo
Colocar alimento frente a um modelo agressivo = conflito
Impedir-lhe o acesso a um alimento visível = frustração
Para esta experiência temos que ter em conta que é preferível contar com pessoas do sexo masculino que posteriormente não voltem a ter contacto com o cão. Se observarmos a magnitude dos conflitos descritos durante várias repetições num período não superior a dois dias, teremos um indicador quase fiável daquilo que o cão irá sentir posteriormente.
De realçar que é possível encontrar algumas raças e alguns indivíduos cujos comportamentos associados sejam totalmente dispares quanto à sua exteriorização.
A idade, a experiência do animal, a sua aprendizagem prévia, sexo e raça serão factores de variabilidade na hora de se estabelecer um “padrão próprio de tratamento” que deve ser estabelecido pelo tratador.
3. Comportamentos anormais.
Segundo Fox (1968) “são acções persistentes e não desejáveis que aparecem numa minoria da população, que não são provocadas por nenhum dano do sistema nervoso e que se generalizam para lá da situação que originalmente as provocou”. Normalmente são mal interpretadas como sendo “vícios”. O movimento de sacudir a cabeça, os contínuos passeios com o mesmo trajecto e, inclusivamente, a reiterada tentativa de morder a cauda é uma advertência de que nos encontramos perante um comportamento estereotipado indicador de uma conduta anormal.
Comportamentos estereotipados são um conjunto de movimentos repetidos e relativamente invariáveis que são realizados sem nenhum propósito aparente. A diferença entre um estereótipo indicador de uma conduta anormal e a de uma frustração ou medo, pode ser muito subtil e só um bom especialista pode distinguir se o cão apresenta uma reacção geral de emergência (totalmente desejável para a sua sobrevivência) ou realmente apresenta um comportamento anormal que é necessário corrigir.
Num período de férias em que há muitos cães entregues em hotéis caninos para uma estadia enquanto os donos se ausentam, achámos pertinente publicar este artigo que é fundamentalmente destinado aos responsáveis pelos Hotéis Caninos em geral e aos tratadores em particular.
O que nos motivou a fazê-lo são as nossas observações, em hotéis onde somos consultores, das dificuldades que os tratadores têm em resolver problemas de comunicação e manipulação de alguns cães, principalmente os que são separados dos donos pela primeira vez, com a consequente frustração de ambos. Sabemos que é uma situação pouco conhecida dos donos mas que é um problema altamente preocupante de todos os que estão encarregues de tratar de um “hóspede” a quem não conseguimos “dizer” que está ali temporariamente e que, sendo assim, não foi abandonado pelos “queridos” donos.