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25/01/19

Que cão de companhia quero ter?

Algumas vezes, os nossos serviços de aconselhamento são confrontados com pedidos de informação sobre a dificuldade que os novos donos têm em escolher o melhor cão em função daquilo que pretendem dele e tentar inseri-lo no seu estilo de vida, isso é o correcto. Mas com bastante mais frequência chegam ao nosso Departamento de Consultadoria em comportamento canino ajuda para resolução de distúrbios de conduta de animais que não foram seleccionados para viverem nos ambientes onde são inseridos. Muitos desses animais acabam, infelizmente, nos canis de adopção com um reduzido prognóstico de poderem um dia a virem a ser de novo integrados e recuperados. O que pretendemos dizer com isto é que, quase sempre a compra de um animal baseia-se mais em razões puramente estéticas e de preferência pessoal por uma raça ou um tipo de cão e menos no carácter e nas funcionalidades do animal e de saber se o escolhido está programado para se integrar no tipo de vida que lhe podemos proporcionar. O exemplo mais recente e mais gritante de como um certo tipo de cão não se adapta ao modo de vida que escolheram para ele é o caso dos Huskies Siberianos que, no início deste século, foram criados em massa, devido às particularidades fenotípicas serem muito parecidas com as do lobo, terem olhos azuis e parecerem muito dóceis, qualidades que as pessoas adoravam. Ao serem inseridos em pequenos apartamentos criaram neles grandes necessidades de liberdade e de espaços abertos onde viveram os seus avós e bisavós, tendo como consequência uma total inadaptação à vida das cidades, sendo nessa altura os cães que mais fugiam das casas onde eram obrigados a viver.

A manipulação genética poderia tornar possível gerar cães que se parecessem mais com Huskies ou até com raposas do agrado de tanta gente mas com características mais dóceis, mais sociáveis e que se adaptassem bem a espaços confinados. No entanto, embora essa abordagem fosse, decerto, gerar novidades, mas também controvérsias, não é disso que se necessita para salvar o cão. Já existe alteração genética mais do que suficiente entre os cães de hoje para gerar uma ampla variedade de indivíduos bem adaptados para a vida de animais estimação; o que se precisa fazer então é reconhecer esse papel como a função principal do cão e tomar a iniciativa das mãos daqueles que se empenham todos os dias em melhorar a qualidade dos animais que criam, não só em termos de funcionalidade, de carácter mas também em termos de saúde.

A outra aplicação da engenharia genética, a clonagem, tampouco é a solução para produzir um cão de companhia perfeito. O multimilionário texano John Sperling clonou a sua cadela Missy, cruzada de Border Collie com Husky, e os clones com certeza parecem-se com ela. Mas de que é que o dono gostava? Da aparência da Missy ou da sua personalidade? Porque a personalidade de um cão é em grande parte produto da sua experiência de vida que não pode ser replicada graças à genética in vitro.

Quais são, então, as barreiras que impedem o desenvolvimento de um melhor cão de companhia? Deixando de lado, por um momento, as características desse tipo de cão, parece haver pelo menos duas barreiras: a primeira é que os criadores de cães raramente tomam as melhores decisões sobre que cães criar com base em quais deles se revelaram melhores companheiros. Simplesmente podem não ter informações sobre como os animais que entregaram vieram a desempenhar as suas funções como tal. Ou podem estar primariamente concentrados nas possibilidades de que os cães de sua criação sejam ou não competitivos nos ringues de exposição – mesmo que a maior parte dos cães não seja adquirida para participar em competições. Além do mais, é difícil fazer com que os criadores sejam responsáveis pela qualidade dos cachorros que produzem. Eventuais fracassos podem ser prontamente atribuídos a erros cometidos por pessoas inexperientes que adquirem os cachorros – que os alimentaram com a dieta errada, que não lhes deram exercício suficiente, ou lhes deram em excesso e assim por diante.

A segunda barreira podemos defini-la com um ditado “preso por ter cão e preso por não ter”, quer isto dizer, que quanto mais responsável for o dono de um cão, maior a possibilidade de que esse cão seja castrado. Em resumo, muitos dos cães mais cuidadosamente seleccionados e nutridos, aqueles que se adaptam perfeitamente ao âmbito da companhia, quase nunca conseguem passar os seus genes para a geração seguinte. Por outro lado, o que nasce são cachorros que nascem mais ou menos por acidente, por causa de donos irresponsáveis, muitos dos quais são atraídos por cães com status, como os Pit Bulls, os Pastores Alemães ou os Rottweilers (daí a quantidade de exemplares dessas raças e de seus cruzamentos que acabam em canis de adopção ou de abate onde irão terminar os seus dias) Como todos os donos de cachorros são encorajados, de modo correcto, a castrar e esterilizar os seus animais para reduzir a superpopulação de cães, fazer isso, infelizmente, trabalha contra o propósito de criar uma população mais voltada para a companhia.

Também é problemático o facto de que a criação de cães com base na personalidade não seja tão simples como criar cães com vistas à sua aparência. Parte da explicação está em que os genes não codificam os comportamentos como tais – mas outra parte está em que o próprio papel do cão, de companhia não está claramente definido. Presume-se que cada tutor ou futuro tutor tenha um cão ideal em mente, de modo que existe um número infindável de cães “ideais”. No entanto, certos traços são universalmente desejados. A maioria das pessoas acredita que os cães de companhia devem ser dóceis, obedientes, robustamente saudáveis, fáceis de controlar, seguros com crianças, facilmente treináveis em casa e capazes de mostrar afeição pelos donos. Muitos donos também valorizam o contacto físico com o seu cão – uma descoberta que não deve surpreender, pois agora sabemos que acariciar um cão não só reduz o stress como também conduz à libertação da hormona do “amor” a oxitocina.

Outras características são avaliadas diferentemente por donos distintos. Algumas pessoas preferem um cão que seja dócil com toda a gente; outras, especialmente os homens, valorizam um alto sentido de territorialidade no cão, que eles veem como uma ajuda para a protecção da sua casa. Os homens também tendem a expressar uma preferência por cães enérgicos e leais, enquanto muitas mulheres dão mais valor à calma e à sociabilidade.

Mas a maior parte dos donos não prioriza o carácter quando escolhe um cão. Por exemplo, muitos valorizam mais a aparência que a personalidade e consideram o treino como relativamente sem importância, mesmo que esperem que os cães sejam obedientes. Além disso, se é verdade que um cão se adapta melhor ao estilo de vida de uma dada pessoa, isso pode mudar à medida das circunstâncias da vida dessa pessoa. Embora o tempo de vida dos cães seja menor que o nosso, ele ainda é bem longo se comparado com o moderno ritmo de mudança nos actuais estilos de vida.

Dito isto, a selecção com base no temperamento torna-se ainda mais desafiadora quando consideramos quantas variações existem, mesmo dentro de uma raça específica. Muitos dos traços “de companhia” mencionados acima são influenciados pela genética apenas de forma marginal. Anormalidades físicas e predisposições a doenças com base na genética podem, e devem, ser objecto dos cuidados de uma criação mais esclarecida; muitos outros traços, porém, tais como afabilidade, obediência, falta de agressividade e uma predisposição para a afeição são fortemente influenciáveis pelo ambiente e pela aprendizagem precoces. É difícil ver como esses traços podem ser activamente seleccionados sem que paralelamente melhore a compreensão dos donos sobre como inculcá-los nos seus novos cães ou cachorros.

Traços de companhia podem ser difíceis de selecionar, mas com certeza outros traços comportamentais específicos das raças precisam ser reduzidos nos cães de companhia. A maior parte da selecção genética imposta aos cães durante a sua longa associação com o homem tem sido dirigida para traços úteis, como a habilidade nos pastoreio, na caça e na guarda. Mas agora que os cães no Ocidente, na sua grande maioria não se destinam a cumprir essas tarefas, precisamos reduzir esses vínculos, pois de outra forma a frustração prevalecerá. Aconteceu inúmeras vezes terem-nos pedido conselho se um lindo cachorro Border Collie daria um bom animal de companhia. Sempre dissemos que não, que esses cães são criados para trabalhar no campo e decerto achariam intolerável a vida na cidade. No entanto, quase todas essas pessoas que aconselhámos dessa forma foram em frente e compraram Border Collies de qualquer maneira e muitos arrependeram-se disso – mas não tanto como decerto fariam os próprios cães se o arrependimento existisse no seu arsenal emocional. Se tais cães devem adaptar-se ao âmbito da companhia, precisamos reconfigurar a raça para que eles não se sintam frustrados.

Finalmente, embora a extensão em que podemos criar cães de companhia seja ilimitada, também devemos ser cuidadosos para não ir longe demais na direcção oposta – aumentando a capacidade de afeição dos nossos cães até ao ponto de se tornar uma carga para eles. Já existe uma epidemia de desordens de separação, as chamadas ansiedades por separação, entre cães de companhia; aqueles que sejam avassaladoramente motivados para estar com os seus donos, o hiperapego, iriam, presume-se, sofrer de forma desproporcionada se deixados sozinhos. A maior parte dos donos não quer que o seu cão seja demasiado “pegajoso”. (ou, por falar nisso, demasiado saltitante: pede-se que os cães de companhia fiquem inativos, em média, durante três quartos das suas vidas.)

Há consideráveis desafios a serem enfrentados antes que os métodos de criação melhorem, não só porque muitos criadores ainda subestimam a necessidade de socialização dos cachorros, mas também porque existe um óbvio mecanismo pelo qual a melhor prática se tornará disseminada, graças simplesmente ao número de pessoas envolvido. A informação de que os criadores precisam para criar cachorros bem socializados agora está amplamente disponível – esperemos que a sua adopção universal seja apenas uma questão de tempo.

Mesmo que a informação seja cuidadosamente difundida, não é provável que a criação irresponsável desapareça. As instituições de adopção e de recolocação arcarão inevitavelmente com o peso de lidar com os cães não desejados que resultarem dessa criação. Mas, felizmente também, elas começam a ter à sua disposição cada vez mais a informação necessária para adoptar métodos de bases científicas para reabilitar esses cães, e para garantir a compreensão, entre os tutores adoptivos, do que faz os cães comportarem-se de uma certa forma e como o fazem, e para os auxiliarem estão a formar-se jovens terapeutas comportamentais caninos possuidores de vasta base técnica e cientifica, como são os casos dos formados nos Cursos de Formação do Centro Canino de Vale de Lobos. 


Sílvio Pereira


16/02/17

Feromonas na Terapia Comportamental. Será que funcionam?

A utilização de feromonas, mais propriamente a chamada feromona apaziguadora canina produzida próximo das glândulas mamárias das cadelas que se encontram em lactação, como coadjuvante à terapia comportamental canina, tecnicamente conhecida como feromonoterapia, já há alguns anos que está a ser aplicada no tratamento de várias doenças de comportamento que alguns cães apresentam.  

As feromonas são substâncias químicas que, segregadas por um indivíduo, têm como objectivo transmitir uma informação específica a outros indivíduos da mesma espécie provocando nestes mudanças na sua fisiologia e comportamento.

Normalmente ao falar de feromonas referimo-nos a elas como substâncias que possuem um odor característico responsáveis pelas reacções que observamos no indivíduo que capta o dito odor. Mas, as feromonas não são simplesmente odores, estas identificam-se espontaneamente durante a respiração dos animais. Portanto, para que as feromonas sejam perceptíveis é necessária a participação de um órgão especial conhecido como órgão vomeronasal, situado dentro da cavidade nasal.

Posteriormente, a informação recebida pelo órgão vomeronasal é transmitida ao sistema nervoso, mais concretamente ao sistema límbico, que gere as emoções (medo, ansiedade, prazer, etc.), desencadeando as mudanças específicas no animal.

A feromona apaziguadora canina (DAP® dog appeasing pheromone)  

As glândulas sebáceas presentes no sulco intermamário das cadelas produzem, durante o período de lactação (desde o 3º/4º dia após o parto até 2 a 5 dias depois do desmame) umas feromonas denominadas “apeasinas” (do inglês appeasiness, que significa calma ou apaziguamento) que têm uma actividade calmante e tranquilizante nos cachorros. Além disso, parece que os ajudam a orientar-se quando começam a mover-se próximo da mãe e a identificar rapidamente as partes menos perigosas do entorno que aquela seleccionou como “ninho”. Estas feromonas transmitem uma mensagem de bem-estar, calma e segurança que, segundo as últimas investigações, persistem até à idade adulta modulando o estado emocional do animal em todas as etapas da sua vida.

O DAP® é o análogo sintético da feromona natural. O produto apresenta-se em Portugal com o nome Adaptil® e é disponibilizado nas formas de coleira e difusor, similar aos ambientadores usados nas nossas casas, libertando a feromona directamente no ambiente sendo recebida automaticamente pelo animal.

Principais indicções terapêuticas do DAP®

As indicações terapêuticas para o uso desta feromona derivam dos efeitos calmantes ou tranquilizadores que possuem e incluem distintos problemas de medo excessivo em cães (especialmente fobias a foguetes e trovões), problemas de ansiedade (principalmente ansiedade por separação), assim como o alívio dos sintomas associados a situações de stress (mudanças de residência, permanência em hotéis caninos, adopção de animais, visitas ao veterinário, viagens de carro e avião, etc.).


A feromonoterapia é um coadjuvante à terapia comportamental

A utilização recente desta nova substância vem substituir, nalguns casos noutros acrescentar mais opções de tratamento das várias patologias do comportamento para as quais esta nova técnica é indicada.

Até há cerca de 10 anos, o único tipo de tratamento utilizado para baixar os níveis de medo, stress e ansiedade nos animais e com isso garantir um maior êxito na terapia comportamental, era a utilização de medicação que actua sobre o sistema nervoso central, tais como fluoxetina (prozac), clomipramina, etc., com as consequências conhecidas de todos os medicamentos que actuam sobre o SNC: habituação, dependência, etc. Actualmente, está a começar a ser introduzida a feromonoterapia como substituição da medicação tradicional com resultados bastante encorajadores e deve ser uma prática a seguir, cada vez com mais convicção, por todos os profissionais que se debatem com no seu dia-a-dia com estes problemas de comportamento.

É importante lembrar que, por si só, a feromonoterapia não irá resolver problema algum e deve ser encarada como um coadjuvante à terapia comportamental, quer dizer que, este produto, como nenhum outro, deve ser utilizado indiscriminadamente por quem não tem conhecimentos nesta área mas sim por técnicos, com conhecimentos para tal e sempre acompanhado de consequente terapia comportamental.

Futuro da feromonoterapia em cães

A experiência terapêutica com o DAP® é ainda limitada; apesar disso na opinião de alguns investigadores o efeito obtido nas distintas aplicações parece ser mais subtil que o conseguido com as feromonas felinas. Pode ser que o fracasso no tratamento de alguns casos se deva a uma necessidade de refinar as indicações tornando-as mais precisas.

Algumas experiências sugerem que certos problemas poderão, no futuro, serem susceptíveis de melhorar com o uso da feromona apaziguadora. Entre eles podemos citar algumas formas de territorialidade, problemas ligados às condutas obsessivas, conhecidos como estereotipias ou comportamentos estereotipados, situações de agressividade por medo e mesmo determinados problemas médicos nos quais o stress tem um papel fundamental, por exemplo, a epilepsia.

A tolerância do produto é muito boa, não sendo descritos efeitos secundários significativos nem nos animais em tratamento nem em pessoas que com eles convivam. Como tal, esta feromona é uma excelente alternativa, como já afirmámos anteriormente, ao uso de fármacos em cães. Em situações mais complicadas permite igualmente a utilização simultânea de medicação psicotrópica quando se ache necessário.


Para finalizar, queríamos reafirmar que devemos ter sempre presente, que deve usar-se esta terapia em combinação e não em substituição dos tratamentos de modificação de comportamento.

Por: Sílvio Pereira     

29/10/14

“PUPPY CLASSES”! Será Que se justificam?



Sem dúvida, claro que sim!!

Segundo preconiza o especialista em comportamento canino Ian Dunbar, um cachorro devia interagir com cerca de 100 pessoas e 100 cães até aos três meses de idade.

As aulas de socialização para cachorros, popularmente conhecidas por “puppy classes” foram criadas para proporcionar aos nossos cachorros a possibilidade de poderem interagir entre si, mas também com pessoas, todo o tipo de pessoas: homens, crianças, deficientes, outras etnias, etc., para que o cachorro durante o seu período crítico de socialização possa conviver com indivíduos da sua espécie e indivíduos de outras espécies, como é o caso da humana.

A importância dos dois períodos de socialização

Os canídeos têm dois períodos específicos e bem marcados de socialização: o período crítico ou “imprinting” (é a primeira e mais duradoura forma de aprendizagem. Graças a ela, o animal aprende a ser membro da sua espécie, enquanto estabelece relações com os de outra), também conhecida como socialização intra-específica; e o período sensível ou de socialização, também conhecido por socialização inter-específica. (Para mais informação acerca destas duas fases tão importantes da vida de um cão, aconselhamos a leitura de um artigo sobre o assunto, através deste link: http://comportamento-canino.blogspot.pt/2009/01/etapas-vitais-do-co-domstico.html)

Estes dois períodos estão balizados em alturas específicas da vida dos cães: O crítico, das três às quatro semanas e o sensível das cinco até às doze/dezasseis semanas, dependendo da raça e principalmente do tamanho do animal. Se durante essas duas janelas de oportunidades o animal não for exposto aos estímulos, não só ambientais mas também de interacção com uma grande quantidade de elementos, não só da sua espécie mas também de outras espécies, que o acompanharão ao longo das suas vidas, então o seu comportamento futuro tenderá fatalmente para a anormalidade.

O contexto ambiental

O facto de a forma de vivermos estar actualmente organizada em torno de grandes aglomerados populacionais, com poucos espaços verdes sem tamanho e condições para que possamos soltar os nossos cachorros de forma a brincarem com os seus congéneres, e não só, e a própria lei não o permitir, e o facto da imunidade adquirida pelo programa de vacinação só ficar completa quando o animal está a terminar o período sensível da socialização inter-específica, são factores mais do que preponderantes para que os nossos cachorros não tenham a oportunidade de serem o que são, de aprenderem a linguagem, a comunicação e a conduta inerentes à sua espécie e de se integrarem numa sociedade em que, além deles, coexistem outras espécies. E assim, viremos a ter animais adultos desequilibrados, desestruturados, e a serem permanentemente foco de problemas que os levarão indubitavelmente ao abandono ou eutanásia.  
Como foi dito anteriormente, as aulas de cachorros vieram colmatar uma lacuna grave que existia ao nível das necessidades que os cachorros tinham em usufruírem de espaços com as características necessárias para poderem interagir mutuamente, sem a preocupação permanente da segurança do animal.

As aulas de socialização

Elas permitem que o animal se relacione com outros cães e possa brincar num local livre de ameaças, seguro e controlado. Os cachorros tímidos e assustadiços ganham confiança muito rapidamente e os cachorros seguros e conflituosos aprendem a controlarem-se e a serem apaziguadores.

As sessões de brincadeira e de jogos são cruciais; brincar é essencial para que aprendam as normas aceites na sociedade canina, e assim, depois, como cães adultos socializados, preferirão brincar em lugar de lutarem ou fugirem. Se não forem correctamente familiarizados enquanto cachorros, em adultos faltar-lhe-á a confiança necessária para se divertirem e brincarem como tais. E mais, os cães adultos medrosos e/ou agressivos são muito difíceis de reeducar. Felizmente, esses problemas, graves em idade adulta, são fáceis de prevenir enquanto cachorros, deixando simplesmente que brinquem uns com os outros. Não é justo condená-los a viverem toda a vida preocupados e ansiosos por lhes termos negado a oportunidade de brincar enquanto era cachorro.

Isso não quer dizer que um cão bem educado nunca se vá assustar, ou lutar, pode fazê-lo em alguma ocasião mas recuperará rapidamente. O mesmo não acontece com os cães que não foram socializados nestes períodos. Alem disso, os que foram socializados, aprenderam a lidar com cães de todos os tamanhos e formas e estão melhor preparados para interagir com outros pouco socializados e muito pouco amigáveis.

Os locais

Estas aulas de socialização de cachorros são normalmente disponibilizadas nos chamados campos de treino, ou campos de trabalho. Num recinto fechado, preferencialmente frequentado por bastantes pessoas (donos dos cães que estão a trabalhar, mas não tem que ser obrigatoriamente assim) e que, numa situação ideal, com um grande número de cachorros a “divertirem-se” e, acima de tudo, deverão ser supervisionadas por um técnico formado em comportamento canino, porque só ele está em condições de interpretar os sinais e por cobro a um possível desentendimento entre os cachorros.

Neste contexto, só assim conseguiremos cumprir com o postulado pelo Dr. Ian Dunbar de que os cachorros deveriam interagir com pelo menos 100 pessoas e 100 cães até aos três meses.

Iniciativa do APP

Estão a ser levadas a efeito, nas instalações do Centro Canino Vale de Lobos, por iniciativa do Adestramento Positivo Project (APP), um programa de aulas de socialização para cachorros, e não só, que está a obter um enorme êxito. Por este programa já passaram algumas dezenas de cachorros e pelo feedback dos donos estes tornaram-se cães adultos perfeitamente integrados, equilibrados e sem qualquer indício de conflituosidade.

Portanto, Puppy Classes? Sim! Claro que sim!

Sílvio Pereira         

24/09/14

A farmacologia como coadjuvante da terapia comportamental



Existem muitos medicamentos, ervas medicinais e suplementos alimentares que podem ajudar o cão a restaurar um equilíbrio saudável. Não resolvem os problemas por si só. A melhor maneira de os entender é como sendo um primeiro passo em casos particularmente severos.

Quando o cão de encontra de forma permanente num estado de ânimo que não aceita modificações comportamentais ou quando os donos não se co-responsabilizam com essas terapias de modificação do comportamento necessárias para solucionar o problema, a farmacologia pode ter alguma utilidade. É particularmente eficaz em patologias relacionadas com o medo porque parece que muitos cães medrosos estão geneticamente predispostos a este comportamento e, inclusivamente, quando não é assim, o medo é uma sensação e tem um historial tão presente que é muito resistente à mudança. A dessensibilização sistemática com frequência exige mais tempo do que estão dispostos a dedicar a maioria dos donos.

Em muitos casos estas substâncias oferecem uma forma de reduzir a quantidade de trabalho necessário para que se produza uma mudança positiva. Queríamos realçar que estas substâncias não solucionam problemas de comportamento, simplesmente são um primeiro passo. Nesse sentido, são um coadjuvante importante e uma ajuda nos processos de readestramento e modificação comportamental que o terapeuta dispõe.

De seguida vamos resumir brevemente alguns desses produtos.

Clomicalm (Cloridrato de clomipramina)

Este medicamento é particularmente útil para os transtornos de ansiedade por separação e para a ansiedade em geral. A clomipramina é um anti-depressivo tricíclico.

A clomipramina bloqueia a reabsorção de serotonina e noradrenalina por parte dos neurónios aumentando assim os níveis destes aminoácidos no cérebro. Os níveis altos de serotonina diminuem o medo, o stress e a ansiedade nos cães. A clomipramina metaboliza-se no corpo em dimetil-clomipramina.

O aumento dos níveis de noradrenalina faz com que o cão esteja mais receptivo aos processos de modificação de comportamento. Este medicamento, de facto, favorece a capacidade de concentração do cão, pelo que a aprendizagem será facilitada. Este produto também se usa em muitos transtornos de ansiedade em humanos.

O Clomicalm é um medicamento de prescrição médica e pode não ser indicado para todos os cães.

Elavil (Amitriptilina)

O Elavil é um antidepressivo tricíclico. Os antidepressivos tricíclicos inibem a reabsorção pelos neurónios da noradrenalina e da serotonina, daí as propriedades antidepressivas. Devido aos seus efeitos secundários, este medicamento está contra-indicado em cães com historial de dificuldades em urinar, ou arritmias cardíacas severas e incontroladas.

O Elavil é muito útil em transtornos de ansiedade e medo. Também pode ser eficaz em casos de agressividade. Um cão em tratamento com este produto deve ser vigiado e ter-se bastante cuidado.

Se o comportamento é baseado no reforço, a falta de ansiedade pode eliminar a inibição do cão e a conduta agressiva poderá piorar em vez de melhorar. Os primeiros efeitos do medicamento aparecem entre as 2-6 semanas depois do início do tratamento.

Prozac (Fluoxetina)

A Fluoxetina é um inibidor específico de reabsorção serotonergica muito mais forte que a Clomipramina ou a Amitriptilina.

A fluoxetina inibe somente a reabsorção de serotonina, não como a clomipramina ou a amitriptilina, que também impedem a reabsorção da noradrenalina. A fluoxetina pode demorar um mês ou mais antes de produzir efeito. Parece muito eficaz no tratamento da agressividade caracterizada por impulsividade severa, a agressividade incontrolada e inadequada, e a agressividade entre cães.

Num estudo realizado por Dodman, Donnelly, Shuster, Mertens, Rand e Miczek em 1996, foi demonstrado que a fluoxetina era particularmente eficaz na agressividade por complexo de controlo contra o dono.

ProQuiet (Suplemento L-Triptofano)

ProQuiet é um suplemento de triptofano que aumenta os níveis de serotonina no cérebro.

Este produto está somente indicado para cães com mais de 16 semanas de idade e não se deve administrar mais de sete dias com uma interrupção de dois dias. Pode ser especialmente eficaz nas primeiras fases de um programa de tratamento. Este produto está à venda nas clínicas veterinárias.

5-HTP (5-Hidroxitriptofano)

O 5-http é um metabolito que é criado pela transformação do triptofano em serotonina. Quer dizer que se parece mais com serotonina que o triptofano. O triptofano também tem um factor limitador, enquanto que o 5-HTP não.

O 5-HTP não deverá ser usado juntamente com outros medicamentos que afectam a actividade da serotonina, a menos que o veterinário tenha em conta o efeito combinado. A dose é experimental. Se a dose for alta, o cão inicialmente pode sentir náuseas. Mas se a dose for demasiado baixa não fará efeito. A dose recomendada para o tratamento da agressividade é de 2mg/kg, administrada de forma oral duas vezes ao dia.

Glutamina (suplemento aminoácido)

A glutamina é um aminoácido não essencial que pode esgotar-se quando um cão sofre de stress. O cérebro usa a glutamina para formar glutamato e GABA que são os neurotransmissores que regulam o equilíbrio entre a excitação e a inibição da actividade nervosa. Sabe-se que este suplemento gera tranquilidade. Possivelmente, será bom adicionar ao suplemento um complexo de vitamina B para que a glutamina seja mais activa.

Só se deve administrar glutamina por prescrição do veterinário em cães diabéticos, cães que sofram de cancro ou enfermidade hepática avançada, e cães que apresentem patologias neurológicas como apoplexias e epilepsias.

Resumo

Clomicalm e Elavil previnem a destruição da serotonina. ProQuiet e 5-HTP adicionam mais serotonina ao cérebro. Funcionam de formas diferentes para atingir o mesmo fim, aumentar o nível de serotonina no cérebro. A glutamina ajuda o cérebro a sintetizar as substâncias químicas que equilibram a excitação e a inibição.

Nota final

É importante que os terapeutas comportamentais e adestradores não ultrapassem a linha de exercer medicina veterinária sem estarem habilitados para isso. Este é um trabalho de conjunto entre o terapeuta comportamental e o veterinário que deve ser analisado em conjunto caso a caso para que possam oferecer um serviço com qualidade e de acordo com as expectativas do dono. Mas também é verdade que alguns veterinários estão dispostos a fazê-lo e outros não. Temos que saber viver com essa situação e procurar soluções que minorem esse obstáculo.


Sílvio Pereira

22/09/14

A intervenção nutricional na resolução de problemas de comportamento



A nutrição pode ter efeitos importantes sobre o comportamento do cão. Se o proprietário está a alimentar o cão com comida de baixa qualidade, é provável que este sofra de nutrição inadequada, que pode provocar stress.

Os subprodutos ou derivados de animais e os derivados de cereais já são bastantes prejudiciais, mas alguns conservantes químicos, corantes e substâncias químicas para manter a humidade da comida podem tornar-se problemas adicionais.

Muitos cães reagem de forma negativa a estes ingredientes e isso pode-se manifestar em problemas de comportamento. Em muitos casos as comidas de baixa qualidade incluem grandes quantidades de milho, que diminui o nível de serotonina no cérebro por ser um produto pobre em triptofano e rico em tiroxina (antagonista da serotonina) Lindsey 2000.

O triptofano e a tiroxina

As dietas de má qualidade incluem ingredientes conhecidos por causar sensibilidade, intolerância ou alergias num grande número de cães.

“O consumo alimentar dos aminoácidos triptofano e tiroxina, e de outros aminoácidos neutros maiores, influencia de forma significativa a biossíntese e a concentração de um grupo de neurotransmissores – serotonina, noradrenalina e dopamina – que se conhecem em conjunto com a denominação de monoácidos (Strong 1999)”

A noradrenalina é responsável pelos altos níveis de excitação, que levam à agressividade. A dopamina pela atenção e reactividade. A serotonina é pelo controlo do humor, pelos níveis de excitabilidade e pela sensibilidade à dor. Julga-se que a insuficiência de serotonina no cérebro é um dos elementos chave responsáveis pela impulsividade, pela agressividade, pelo comportamento antissocial, pela desordem hiperactiva, pela ansiedade e pelas dificuldades de aprendizagem (Strong 1999). Os cães com baixos níveis de serotonina no cérebro são hipersensíveis à dor, hiperreactivos, emocionais e agressivos.

Os aminoácidos individuais, que são os percursores dos monoácidos, competem pela reabsorção destes produtos do sangue que vai para o cérebro. Se não há harmonia ou se produz uma insuficiência, cria-se então um desequilíbrio nos processos químicos do cérebro. O triptofano de origem alimentar transforma-se em serotonina no cérebro. Assim como outros neurotransmissores, os percussores devem viajar para o cérebro através da barreira sangue-cérebro (Lindsay 2000). Na barreira sangue-cérebro, estes percursores competem por entrar no cérebro devido à limitação de vias para esse transporte. O triptofano de origem alimentar é o percursor da serotonina, enquanto que a tiroxina é o percursor da noradrenalina e da dopamina. A tiroxina de origem alimentar actua como uma espécie de agente anti-triptofano e, como tal, um agente anti-serotonina.

Como consequência disso, é muito importante assegurar-se de que se evita um excesso de tiroxina e se promove a administração de uma quantidade substancial de triptofano. Em geral, as fontes de proteína têm mais triptofano em relação à tiroxina que as fontes de hidratos de carbono mas, em muitos casos, uma mudança de uma dieta baixa em proteínas melhora de forma significativa problemas de conduta porque as dietas ricas em proteínas tendem a reduzir os níveis de triptofano no cérebro (Lindsey 2000). De facto, as dietas ricas em carbohidratos podem aumentar a quantidade de triptofano existente para a síntese de serotonina, inclusivamente quando o alimento tem ela própria quantidades modestas de triptofano.

Então, porque é que uma dieta rica em hidratos de carbono aumenta os níveis de serotonina no cérebro se há menos triptofano na sua composição? A forma natural do triptofano representa uma pequena proporção dos aminoácidos que constituem a proteína (entre 1% e 1,6%). Os demais aminoácidos presentes em maior quantidade e mais prevalentes competem com o triptofano por um número limitado de canais de transporte que atravessam a barreira sangue-cérebro.

O problema é que com frequência nesta competição o triptofano é eliminado e o cérebro pode esgotar as suas reservas deste aminoácido (necessárias para uma produção estável de serotonina). As dietas que contêm uma quantidade proporcionalmente mais alta de hidratos de carbono do que de proteínas (cerca de 5-6 partes de hidratos de carbono para uma de proteína) estimulam a secreção de insulina. A produção de insulina desvia os aminoácidos presentes em maior quantidade para o tecido muscular. Devido à sua estrutura molecular única, que o diferencia de outros aminoácidos, o triptofano não é tão afectado pela secreção de insulina como os outros aminoácidos.

O resultado é que a proporção de triptofano no plasma aumenta consideravelmente, obtendo vantagem sobre os outros aminoácidos que competem para atravessar a barreira sangue-cérebro, e a produção de serotonina no cérebro aumenta significativamente (Lindsay 2000).

Recentemente, um estudo de DeNapoli, Dodman, Shuster, Rand e Gross publicado no jornal “Of the American Veterinary Medical Association (JAVMA)”, intitulado Os efeitos da proteína e suplementos de triptofano na dieta sobre a agressividade por dominância (actual agressividade por complexo de controlo), agressividade territorial e a hiperactividade, demonstrou que uma redução de proteína tende a reduzir a agressividade de forma significativa, mas o mesmo não acontece com a hiperatividade. A redução de proteína acompanhada com suplementos de triptofano reduz a agressividade de forma mais relevante.

Val Strong sugere que a porção de alimento rica em hidratos de carbono deveria ser servida depois da porção rica em proteína para assim obter melhores resultados.

“Apesar disso, a taxa de triptofano só pode ser incrementada de forma significativa no cérebro pelos hidratos de carbono, se estes são ingeridos duas a três horas depois da ingestão de proteína. A insulina é segregada como resposta à ingestão de hidratos de carbono para regular os níveis de glucose no plasma. A insulina também desvia os aminoácidos neutros presentes em maiores quantidades nos tecidos esqueléticos periféricos onde se envolvem as vias energéticas do sistema imunitário” (Rugaas 1997)

A vitamina B6

Também, a vitamina B6 é um co-factor na síntese do triptofano na serotonina, de modo que deveria ter-se em consideração numa intervenção nutricional. Para manter a proteína adequada, uma óptima fonte deste aminoácido é o tofu. Tem um nível relativamente alto de triptofano e baixo de tiroxina.


Sílvio Pereira